Urnas eletrônicas: ‘Bolsonaro é o maior perigo, não o sistema eleitoral’, diz cientista político francês

A iniciativa do presidente brasileiro, Jair Bolsonaro, de convocar embaixadores e diplomatas estrangeiros para questionar a transparência das urnas eletrônicas tem forte repercussão na Europa nesta quarta-feira (20), onde a imprensa não poupa críticas à atitude do chefe de Estado. Para o cientista político francês Olivier Dabène, entrevistado pela RFI, a reunião no Palácio da Alvorada foi “surrealista”.

Por Daniella Franco e Tatiana Ávila, da redação da RFI

“É surrealista a reunião de um presidente para falar com embaixadores sobre o perigo de fraude nas eleições. Ele é o maior perigo, não o sistema eleitoral”, avalia o cientista político Olivier Dabène, professor do Instituto de Ciências Políticas de Paris (Sciences Po) e presidente do Observatório Político da América Latina e do Caribe (Opalc).

Para ele, a atitude de Bolsonaro é uma grave ameaça à democracia do Brasil. “Esse é um sistema onde os políticos devem aceitar perder eleições: essa é a regra número um. Acho que, antes de tudo, o que ocorre é um problema de atitude”, ressalta Dabène.

O mesmo tom é empregado pela imprensa europeia, que não poupa críticas à iniciativa do chefe de Estado brasileiro. O jornal francês Le Monde traz a polêmica reunião no Palácio do Alvorada em sua capa e afirma que Bolsonaro adota esse comportamento porque se sente “em perigo” diante do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva. A pouco menos de três meses das eleições, o líder do PT encabeça as pesquisas de intenção de voto nos dois turnos.

Para Bruno Meyerfeld, correspondente do Le Monde no Brasil, o discurso pronunciado por Bolsonaro diante de embaixadores e diplomatas “é um dos mais virulentos contra o sistema eleitoral do país”. Durante uma hora, “o presidente protagonizou um ataque contra as instituições que ele tem o dever de proteger (…) bombardeando o sistema de voto eletrônico, que acusa de fraudes e problemas massivos”, publica.

O site do jornal britânico The Guardian ressalta que o atual sistema de urnas eletrônicas é utilizado desde 1996 e que as “alegações infundadas” de Bolsonaro foram contestadas pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE). “As afirmações geraram preocupação em relação ao político populista – que enfrenta fracas intenções de votos – e que pode recusar o processo democrático se perder as eleições em outubro”, destaca o diário.

Já o site do jornal espanhol El País afirma que as reclamações do presidente brasileiro contra o sistema eleitoral são antigas, mas “no último ano ele as converteu em um dos principais eixos de sua campanha”. “O que chama atenção e o que criou uma grande polêmica no Brasil é que Bolsonaro convocou os embaixadores para compartilhar com eles suas críticas a um sistema de votação no qual em mais de duas décadas não foi afetado por irregularidades. Até hoje não foi confirmado nenhum caso relevante de fraude”, sublinha.

O diário espanhol destaca que a oposição suspeita que o presidente tente suscitar dúvidas sobre o voto, a exemplo do comportamento do ex-presidente americano Donald Trump durante as últimas eleições no país. A embaixada dos Estados Unidos no Brasil, aliás, reagiu às acusações de Bolsonaro, afirmando que o sistema eleitoral brasileiro “serve como modelo para as nações do hemisfério e do mundo”.

“Os Estados Unidos confiam na força das instituições democráticas brasileiras. O país tem um forte histórico de eleições livres e justas, com transparência e altos níveis de participação dos eleitores”, diz a nota divulgada na terça-feira (19).

Por que a França privilegia voto em papel

RFI consultou especialistas em voto eletrônico na França sobre a questão. O país privilegia o voto em papel, embora urnas eletrônicas sejam utilizadas em algumas cidades e os cidadãos que vivem no exterior podem votar pela internet em determinadas eleições.

Para Chantal Enguehard, professora e pesquisadora em Informática e membro do laboratório do Centro Nacional de Pesquisas LS2N, não há dúvidas que o voto em papel é a alternativa mais segura em uma eleição. “Se um número importante de votos for modificado por um dispositivo de voto eletrônico, não seria possível ver essas modificações, já que elas são feitas por um computador”, afirma.

Segundo ela, o sistema de voto eletrônico “é de natureza opaca”, impedindo a constatação de erros ou fraudes que modificam os resultados e que impediriam uma contestação deles na Justiça. A especialista ressalta ainda que bugs podem ocorrer durante a votação, “mesmo se existissem programas perfeitos, em computadores perfeitos”. “Quaisquer que sejam os resultados fornecidos no final de uma eleição por um computador eles serão aceitos, mesmo quando é absolutamente impossível provar que os resultados fornecidos estão de acordo com as intenções de voto expressadas pelos eleitores”, reitera.

Para Pierrick Gaudry, pesquisador do Centro Nacional de Pesquisas e do laboratório de pesquisa Loria, em Nancy, no nordeste da França, é preciso levar em consideração o contexto político do país para avaliar o melhor sistema de votação. No entanto, segundo o especialista, a característica mais complexa do voto eletrônico é que ele não permite provar que não houve fraude: “um problema quando há fake news e líderes populistas envolvidos”.

Gaudry defende que há soluções para resolver os rumores de falsificação em relação ao voto eletrônico. “Essas ‘máquinas de voto’ também são muito utilizadas nos Estados Unidos e o que os americanos fazem, cada vez mais, é ter uma versão impressa do voto que permitirá verificar o voto eletrônico. Isso oferece uma garantia que a urna eletrônica não fraudou o voto”, sugere.

 

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