TRASTEVERE É UMA FESTA

e uma palavra proparoxítona sem acentuação gráfica, como quer a ortografia da língua italiana.

Domício Arruda*

É, antes de tudo, um bairro boêmio da antiga Roma, com uma história beirando dois mil anos.

É também uma indicação, um conselho, quase uma palavra de ordem que o visitante recebe tão logo desembarca na celebrada Cidade Eterna: Não deixe de ir a Trastevere!

Por isso me embrenho nesse labirinto de ruas sem fim, cada uma com seu traçado singular. O tédio que quase sempre despertam os labirintos, aqui não existe; mas o prazer, a delícia de se perder na tortuosidade da povoação que cresceu ao deus dará — imagino, uma pedra aqui um tijolo ali, na direção do nariz.

E tudo cabe nas curvas de Trastevere, no oco da intimidade que as coisas arredondadas propiciam.

É possível que a embriaguês se potencialize também no rua acima rua abaixo de bares, ristorantes — spaghetti alla carbonária ou alla matriciana — o fla x flu gastronômico local, a música, e ainda a fauna do mundo inteiro — já que tudo cabe no bairro boêmio.

A grandiosidade e elegância de Roma, a alma do mais libertino império jamais igualado, a essa altura impregnadas de Aperol, Vinho, Limoncello, Campari, aliadas ao sentimento destrambelhado de querer viver mais uma queda do Império — termina de chegar à *Piazza Trilussa*, epicentro da alegria, da devoção à vida, da bebedeira da Roma que morreu tantas vezes e ressuscitou outras tantas.

Um chão extenso de pedra, com escadaria charmosa ao fundo, e ali uma fonte d’água mineral — as famosas ‘fontanas’ tão comuns na cidade — é toda a ‘Piazza Trilussa’.

Prevalece a música pop, notadamente o rock, com artistas que se revezam para plateias em movimento, enquanto a multidão canta, bebe, dança, se esbalda. Naquela noite um cowboy americano, de botas e chapéu, e mão direita arrasadora, faz o público delirar num desfile de hits internacionais — Beatles, Edgard Winter, Led Zappelin, Trini Lopez, passando pela apoteótica *La Bamba*.

Nas esquinas daquelas ruas estreitas e pelame de todas as tribos, espreito que o Aperol me traga o mágico ‘Fellin’ e seus truques, e surja no meio da trupe colorida, com a música etérea de Nino Rota, com a poesia descabelada de ‘Amacord, Satyrico’, ou melhor, de ‘Roma de Fellini’, filmado ali mesmo, e um daqueles personagens inesquecíveis repita a fala que até hoje ecoa no tempo e espaço:

‘Roma, cidade da Igreja, do governo, do cinema. Todos vendedores de ilusões.’

Cai o pano.


Texto e fotos
Napoleão Veras

 

  

Transcrito da Tribuna do Norte

Blog Território Livre

Domício Arruda, médio e jornalista

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