Thadeu de Sousa Brandão – Governo Temer e o dilema da legitimidade
Thadeu de Sousa Brandão
De Maquiavel a Max Weber, perpassando por toda a realpolitik, a questão da legitimidade do poder sempre foi questão central para a Ciência Política. Um poder sem legitimidade não se sustenta. A autoridade necessária para seu exercício não se consolida, não passa de fumaça.
De forma simples e didática, a legitimidade passa, dentre outras coisas, pela aceitação do poder, onde este é visto e tido como necessário (mal ou bem) para a consecução das coisas e do bem estar coletivos. Com ela, mesmo relutantemente, as mais diversas ações são aceitas, mesmo quando há contrariedade.
Em uma democracia “liberal” (ou “burguesa”, como queiram) o processo de legitimação do poder passa pelas urnas. As eleições são o momento onde os projetos e demandas são confrontadas, assim como as bases que sustentarão o novo governo são construídas. No presidencialismo (“de coalizão”), no nosso caso, as eleições são um momento sine qua non onde o presidente eleito começa seu governo com a legitimidade cesarista mínima para exercer seu mandato. Um adendo necessário: falo mínima devido ao imenso poder de barganha que o chefe de governo e de Estado possui no Presidencialismo. Isto não significa, porém, que possa fazer o que quiser e o possa fazer desprezando o Poder Legislativo. Embora este não governe, como no Parlamentarismo, os dois poderes caminham concatenados no processo. Fernando Collor e Dilma Roussef, de certa maneira, esqueceram-se disso.
Deixando de lado a questão de se tratar, ou não, de um “golpe legislativo”, o impeachment de Dilma representou uma ruptura do processo, embora dentro dos meandros jurídicos do país. A manobra que a defenestrou do Palácio do Planalto colocou em seu lugar o seu vice desde 2011, Michel Temer do PMDB, figura antiga e consolidada da política brasileira.
A questão que coloco (eu e mais centenas de outros) é que o novo governo interino (em curso) carece de legitimidade política. Seja pela ausência das eleições necessárias para ritualizar e consolidar sua permanência à magistratura suprema da República; seja pela completa inabilidade com que seus próceres, ministros e aliados, estão tratando políticas públicas mais gerais que, a pari passo, fora também obra sua; seja pela quantidade imensa de políticos citados na Operação Lava Jato em seu ministério. Isto em um governo que quer “restaurar a moralidade na política”.
Desnecessário lembrar que o PMDB fora governo desde o alvorecer do lulismo no poder, além da vice-presidência desde 2011, também abocanhou ministérios centrais das políticas “lulistas” e logrou louros no imaginário político popular ao fazê-lo. Seu crescimento, nos últimos anos, deu-se a reboque do PT. O ataque a essas políticas sociais acarretará, não tenho dúvidas, uma crítica de setores não necessariamente à esquerda do espectro político, além de parcela da população que, mesmo insatisfeita com Dilma, ainda vê com bons olhos as políticas sociais engendradas pelo “lulismo”.
Outrossim, vale lembrar que a tentativa de desmonte dessas políticas passa pela sua “satanização”, o que representa um tiro no pé eleitoral. Afirmar, como disse Temer, que não está preocupado com sua “popularidade” representa apenas um suicídio eleitoral que o PMDB, tenho absoluta certeza, não quer correr. Assim como também, os demais partidos de sua base (PSDB, DEM, PSB, PSD, PPS, PP etc.) que olham para as eleições municipais deste ano e para 2018 com uma preocupação visível. Todos, sem exceção, estão com um pé no governo e outro “na tábua”.
Se a questão da política econômica (que em nada difere da adotada por Fernando Henrique Cardoso em seus mandatos e, de certa maneira, também às de Lula nos seus) parece ser ponto pacífico, questões vitais como a reforma da previdência trazem um sabor de “deja vu” do “neoliberalismo à brasileira” dos anos 1990.
Henrique Meirelles, da pasta da Fazenda, é o nome forte do governo Temer e, ao contrário dos demais ministros, o único que parece ter certo “esteio moral” para aguentar o avanço da Operação Lava Jato sobre a trupe. A queda de Romero Jucá, Planejamento, é apenas o prenúncio de mais crises que o governo interino sofrerá até seu término.
Temer resistirá até o fim? Sobre o próprio também pesam citações na Operação Lava Jato, o que mostra que a crise política, longe de terminar, apenas chegou a um novo momento. Além disso, ao contrário de Itamar Franco, que embora não eleito, chegou ao poder com amplo apoio, Michel Temer não conta com apoio significativo por muito tempo. Tem sobre si, a imperiosidade de mostrar a que veio, além de ter que negociar com o Baixo Clero na Câmara dos Deputados, só que, desta vez, sem um Eduardo Cunha (PMDB-RJ) para controlá-los.
A expectativa das ruas, o andamento da Operação Lava Jato, a oposição e a própria dinâmica econômica são fatores conjuntos a tirar o sono do interino. Isso, sem contar, com a falta de legitimidade que o assombrará até 2018, se ele chegar lá.
Thadeu de Sousa Brandão
Sociólogo, Mestre e Doutor em Ciências Sociais (UFRN). Membro Efetivo do Programa de Pós-Graduação em Cognição, Tecnologia e Instituições – PPGCTI e Professor do Departamento de Agrotecnologia e Ciências Sociais – DACS da Universidade Federal Rural do Semi-Árido – UFERSA. Co-Apresentador do Programa Observador Político na TV Mossoró e FM Resistência (93FM). Membro da Câmara Técnica de CVLIS da SESED. Autor de “Atrás das Grades: habitus e redes sociais no sistema prisional”, entre outros.