Thadeu Brandão – Que República temos para comemorar?
Quando a primeira república contemporânea surgiu, ela era um verdadeiro anacronismo em um mar repleto de monarquias absolutistas. Surgiu como uma novidade, um farol de liberdade e democracia, embora não se soubesse direito o que era isso. Refiro-me aos Estados Unidos da América, cujo processo revolucionário foi consolidado com a primeira constituição republicana em 1783. Depois veio a França revolucionária e, com seu rescaldo, as jovens nações americanas, ex-colônias hispânicas. Ao fim do século XIX e após a I Guerra Mundial, o ideal republicano já havia tomado conta do mundo, Ocidental ao menos.
O Brasil, como todos sabem, realizou sua transição de monarquia para república por meio de um golpe militar. Era o segundo de sua história, já que a deposição do primeiro imperador, em 1831, já havia aberto um perigoso precedente. Pois bem, o Exército, com apoio de setores insatisfeitos, como os cafeicultores desprovidos de seu capital escravagista e uma incipiente classe média, para ficar nestes apenas, puseram fim à nossa experiência monarquista de mais de 60 anos e, com ela, nossa primeira constituição, a outorgada de 1824.
No poder, o republicano de última hora, Marechal Manuel Deodoro da Fonseca. Autoritário como o ex imperador D. Pedro II, não soube lidar com as lides políticas do Congresso Nacional. Caiu. Seu sucessor, o também pretenso ditador e Marechal, Floriano Peixoto, assinalou o fecho da primeira e conturbada fase da república, chamada de “República da Espada”. Com Prudente de Morais, iniciava-se o período de consolidação e relativa calmaria, denominado de “República Velha” ou “República Oligárquica”.
Foi um longo período marcado pelo domínio dos interesses dos produtores de café paulistas e de outros grupos, proprietários de terras, dos estados da federação. Éramos os “Estados Unidos do Brasil”. Eleições forjadas foram a tônica de uma democracia inexistente. Uma “res publica” de pouquíssimos, muito “pouquíssimos” mesmo. Somente com nosso início de incipiente industrialização e mudanças na dinâmica econômica, novos atores sociais exigiram participação política: classe média e trabalhadores urbanos (operariado).
Mais do que nunca, esses novos atores políticos iriam causar um desconforto de décadas nas velhas elites consolidadas. Uma vez apaziguada as classes médias e seus setores representantes, como o jovem oficialato do Exército, os “tenentes”, com a Revolução de 1930, ainda havia aquele grupo perigoso a conter. A Era Vargas (1930-1945) foi marcada por essa tônica, onde o novo Estado, centralizador e autoritário, fazia às vezes de “Pai dos Pobres”, usando da arma populista para conter os movimentos operários e sociais. Era o “peleguismo” em ação. Se nada tinha de revolucionário ou comunista, mesmo esse sistema de apaziguamento assustavam a carcomida e inapetente elite brasileira.
O fim do Estado Novo (1937-1945) foi marcado por um breve período de democratização, agora com uma certa participação de vários grupos sociais e políticos. Consolidava-se um discurso de esquerda no Brasil, surgido antes (O Partido Comunista do Brasil – PCB – havia sido fundado em 1922), mas agora com presença marcante em vários setores. Breve, pois em menos de dois anos, novamente a clandestinidade. A Guerra Fria e a presença marcante dos EUA na política interna brasileira radicalizavam os ânimos e apontavam qualquer apaziguamento como um caminho “rumo à esquerda”.
Reformas estruturais, não para o socialismo, mas para o desenvolvimento capitalista, já que propiciariam a redução da pobreza, o fortalecimento da classe média e do mercado interno, foram tachadas de subversivas: reforma agrária, aumento do salário mínimo, etc. A queda, já detida antes pelo suicídio de Vargas, foi fatal. O Golpe de 01 de Abril de 1964 marcaria a tônica da república tupiniquim: mais uma vez autoritária. Seriam mais 21 anos de Ditadura Militar, marcado por um desenvolvimentismo concentrador de renda e de regiões, pela destruição dos organismos de participação política e, aquilo que considero um de seus mais portentosos legados: um rastro de violência que sentimos até hoje.
1985 trouxe a Nova República. Com ela, a Constituição Federal de 1988, única de fato, “cidadã”. Com ela, 7 presidentes diferentes, dois deles depostos por processos de impeachment. A consolidação foi dura. Os avanços ocorreram: quebrando o paradigma anterior tivemos um sociólogo presidente. Depois o operário. A mulher, finalmente, que com seu passado de luta contra a Ditadura, mostrou nova tônica. Ainda aguardamos um negro ou, um descendente de índios, porque não? Em todo caso, não se trata de quem encontra-se no poder, mas que de projeto põe-se lá. Eis a questão. Qualquer tentativa de fazer desta República uma democracia, passará por consolidar as instituições e a sociedade civil. Assim, as reformas podem vir, pois não serão derrubadas pelo golpismo da pequena e burra elite conservadora. Burra, porque, ao pensar apenas em seus ganhos imediato, joga todo um futuro no lixo.
O Brasil, das redes sociais, dos fake news e das bazófias elegeu um populista de extrema-direita que, sem projeto claro ou propostas, assinala “acabar com tudo que está aí”, apontando principalmente para a Constituição Federal de 1988 e seus parcos ganhos sociais. Uma nação menos inclusiva, menos democrática e mais autoritária parece ser 0 que nos aguarda nesta nova fase da República.
Qual nosso saldo? Ainda negativo, ouso dizer. Já avançamos muito? Sim. Conquistamos alguns batentes, mas a escadaria é longa. Ainda temos uma República de poucos. Milhões de miseráveis, analfabetos, favelados, excluídos e sem perspectivas, herdeiros da escravidão pretérita e filhos da lentidão das reformas presentes. São a esses brasileiros que devemos uma “res publica” de fato. Pois, se é de todos a coisa pública, esta não chegou a eles. Ao povo brasileiro, trabalhador, que devemos essa república. Somente assim, de fato, essa “liberdade, liberdade” poderá abrir a asas sobre nós. Onde a “voz da liberdade” poderá mesmo sempre a nossa voz.
Por enquanto, nenhuma luz no túnel cada vez mais longo e escuro.