SILVIA FEDERICI E BELL HOOKS: filosofia feminista para entender a realidade das mulheres

SILVIA FEDERICI E BELL HOOKS: filosofia feminista para entender a realidade das mulheres

 

Desde o último domingo (5), quando foi divulgada a temática da redação do Exame Nacional do Ensino Médio (ENEM), as redes sociais têm se movimentado em torno de debater sobre os “Desafios para o enfrentamento da invisibilidade do trabalho de cuidado realizado pela mulher no Brasil”. Por coincidência ou pela urgência que grita, a última coluna que escrevi falava sobre o cansaço das mulheres, gerado exatamente por uma sobrecarga de trabalho: remunerado/doméstico/de cuidado.

Junto a esse debate, veio à tona também uma frase bastante simbólica da filósofa Silvia Federici: “O que eles chamam de amor, nós chamamos de trabalho não pago”, que reflete exatamente o que o tema da redação trazia como provocação. Além de Silvia, outra grande intelectual dedicada a pensar sobre a vida das mulheres negras e a educação, bell hooks, também poderia ser citada nesse momento. Em “Intelectuais Negras”, hooks aponta diversas implicações para que as mulheres negras vivenciem a intelectualidade, dentre elas a grande responsabilidade pelas atividades de cuidado e reprodução social.

 

Silvia Federeci dedica seu trajeto filosófico a refletir sobre o trabalho doméstico, essencialmente sobre a necessidade de remuneração deste, que representa uma forma de trabalho, com uma jornada que se acontece dentro das casas, no espaço privado, onde a sociedade não pode ver, então não pode também considerar. Seu pensamento defende que as mulheres nunca param de trabalhar, nunca se aposentam do trabalho doméstico; há sempre uma transferência. As mulheres que exercem atividade remunerada repassam a responsabilidade de cuidado – da casa, dos filhos – para outra mulher. É aqui que o seu pensamento e o de bell hooks se encontram.

Ainda que não seja o objetivo aqui, cabe sinalizar que hooks se dedicava a discutir a interseccionalidade entre raça, gênero e capitalismo, o que implicava entender que as mulheres negras estavam “as margens” do feminismo tradicional quando este não levava em consideração raça e classe em suas análises. Referenciada em Paulo Freire, ela acreditava que as desigualdades só seriam, de fato, consideradas, quando a educação fosse direcionada para a visão crítica, em busca da liberdade.

Voltando ao raciocínio – o que é um esforço pessoal por ter bell hooks como grande referência de intelectual negra -, quando Silvia afirma que as mulheres, quando necessário, repassam suas tarefas de cuidado à outras mulheres. hooks, ao refletir sobre a intelectualidade, sobre educação e sobre feminismo, faz saltar aos nossos olhos que as mulheres negras representam muito do bem essa tarefa de cuidado repassado: foram escravizadas, exploradas e amas de leite, hoje, em muitos casos, transformadas em babás ou empregadas domésticas que abdicam de si e de sua existência pessoal e familiar para se dedicar ao cuidado de outrem.

Percebam que não se trata de entender indignamente nenhuma profissão, mas entende-las também como espaços que reproduzem uma lógica de reprodução social que favorece apenas o dominador, inclusive quando quem emprega é também mulher, também oprimida.

Tudo que trago para a leitura de vocês é no intuito de que pensemos no quão profundo é refletir sobre a invisibilidade do trabalho de cuidado atribuído às mulheres, não só no Brasil, mas em nível global. Essa negação proposital responde e favorece à uma estrutura social que estabele homens dominadores e mulheres dominadas; branquitude dominadora, negritude dominada. Mas não é tão simples, porque nenhum ser social é somente homem ou somente branco ou somente rico… há toda uma teia que forma a estrutura da sociedade e atribui quem deve ocupar que lugar e gozar de qual privilégio.

Dito isso, já que citei a redação do ENEM, cabe lembrar que ela é avaliada segundo 5 competências, e dentre elas estão a necessidade de aplicação de conhecimentos de várias áreas de conhecimento e a elaboração de uma proposta de intervenção, nessa ordem. No caso da nossa reflexão, pensar uma proposta de mudança – o que exige uma intervenção – perpassa completamente pelo conhecimento e da realidade social, econômica, cultural e política. Sem medo de errar, não há possibilidade de superar as desigualdades, opressões, explorações e sobrecargas dispensadas as mulheres, com destaque para as mulheres negras, se antes não questionarmos a estrutura que se alimenta delas.

 

Por Gabriela Soares

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