Rogério Cruz: O semiárido nordestino exporta água

Na semana de 8 a 12 de agosto o Conselho Regional de Economia comemorou a Semana do Economista, aqui em Natal. Em seu segundo dia de execução foi discutido o tema “As mudanças recentes na agricultura e nas Políticas Públicas para o meio Rural do Rio Grande Norte”, sob a liderança dos professores João Matos Filho e Tales Medeiros, do Departamento de Economia da UFRN.

Em adendo, foi acrescentada a ameaça real a essa atividade, qual seja, o tema da oferta de água para manter e/ou expandir o ritmo dessa atividade, abordagem que foi feita pelo atual Secretário do Meio Ambiente do Estado do Rio Grande do Norte, que também é economista, o professor de Economia da UERN/Mossoró, Mairton França.

No primeiro tema foi inicialmente rememorada a derrocada do algodão, ocorrida até o final dos anos 1980, e a emergência de um setor produtor de frutas irrigadas – que inclui a banana, a manga e o melão, principalmente, destinados à exportação. Esse conjunto de frutas veio para se associar ao cultivo do caju, em escala comercial, cultivado na Serra do Mel e que remonta aos anos 70 do século passado. Pode-se ainda destacar o mel que também é tradicional, em nosso estado, além das frutas, tem como destino, o mercado externo.

Os expositores lembraram ainda a crescente participação de empresas terceirizadas que funcionam como uma espécie de satélite em torno das firmas exportadoras e que dão um caráter complexo e moderno àquela atividade, diferentemente dos tipos de atividades mais tradicionais, até então existentes. Em uma palavra, diante de novas tecnologias produtivas e de novas formas de comercialização dos produtos, pode-se dizer que, essa atividade é marcada pela presença da modernização agrícola: sem lugar a dúvidas.

Em seguida, Mairton França mostrou a situação delicada dos estoques de água e as demandas crescentes em torno desse produto, seja para uso humano, animal ou vegetal. No momento, o Governo do Estado busca administrar pressões da sociedade e das empresas, em geral, para poder manter os níveis de atividade econômica em funcionamento e a população que tem direito à água e/ou direito à vida.

Essas duas abordagens permitiram a elaboração da seguinte pergunta de pesquisa: por que defender a continuidade e/ou expansão de um setor produtivo que é exigente em água, em meio a uma economia estadual que prescinde de gestão desse recurso mineral? E, mais: no seio de uma região semiárida? O que se propõe, então: exportar água, vez que a composição dessas frutas se aproxima de 90% de conteúdo hídrico?

Sabe-se que, temos estoques de água que, não é de hoje, atendem a fruticultura irrigada de nosso estado. Todavia, há que se lembrar também que, esses estoques hídricos são finitos e a demanda, não necessariamente. Logo, espera-se por uma retração crescente desses estoques, ao longo dos anos, mantidas as atuais condições de oferta e de demanda de água.

Na possibilidade de ocorrência de haver uma retração desses estoques, o que fazer? Ou, o que será – do ponto de vista público – o amanhã do binômio terra e água no semiárido, tendo em vista esse modelo “modernizante” que é predador – da natureza e das condições de vida em sociedade?

A história econômica recente, do RN, mostra que, a atividade privada muda de lugar, tal como ocorreu com a fruticultura irrigada no Vale do Açu. Os que se deslocarem, deixam para trás um expressivo passivo público – de caráter ambiental e fundiário, principalmente.

Há, pois, um claro interesse privado em detrimento do interesse público.

Até quando o semiárido continuará a exportar água privilegiando alguns em detrimento de muitos e, em oposição, manter um discurso de existência de uma seca? Seca, para quem?

Rogério Cruz é Doutor em Economia e professor da UFRN.