Rogério Cruz: Especulação no mercado de terras urbanas

A terra pode ser vista de duas maneiras. A primeira, enquanto coisa física e/ou em sua materialidade. Aqui, ela é natureza. A segunda, enquanto um bem econômico. Neste caso, ela representa riqueza. Nesta última perspectiva, a terra é uma mercadoria, quer dizer, objeto de compra e de venda. E, esta condição, historicamente, foi criada a partir da Lei de Terras, em 1850. Logo, negociar terras agrícolas constituiu um Mercado de Terras Agrícolas. E, em consequência, o negócio de terras urbanas formou um Mercado de Terras Urbanas (MTU). E, é deste último tipo de mercado que se quer tratar neste breve texto jornalístico.

O MTU realiza negócios com as seguintes mercadorias: lotes de terras urbanas e/ou glebas; casas; e, ainda, apartamentos. Além disso, há diferentes formas daqui derivadas, tais como, os condomínios – que tanto podem ser verticais (de apartamentos), quanto horizontais (de casas).

Assim, a base para esta reflexão é uma pesquisa – que orientamos recentemente – sobre a dinâmica de negócios com lotes situados em Condomínios Fechados Horizontais, edificados no município de Parnamirim (RN), no período 2000 a 2014. Nesse estudo, elaborado por José Nilson de Sá Jr., constatou-se que, o número de lotes residenciais ociosos – ou seja, lotes que estão aptos a receber a edificação de casas, mas que se encontram sem ocupação e/ou uso – era maior do que os lotes residenciais efetivamente ocupados.

A partir dessa observação, indaga-se: o que significa, economicamente falando, a ociosidade desses lotes?

Supõe-se inicialmente que foram lotes adquiridos com fins especulativos. Isso significa dizer que, as pessoas compraram terra urbana, num dado tempo, com a expectativa de poder vende-la, posteriormente, a um nível de preços maior do que sua aquisição. Pode-se dizer ainda que, a aquisição foi determinada por expectativas de uma valorização real futura. Estas foram derivadas, por exemplo, de melhorias e de obras públicas no entorno de onde fica situado o empreendimento condominial – asfalto, energia elétrica, etc.

Acerca dessa possível valorização, num tempo futuro, pode-se mencionar um recente negócio realizado no Mercado de Terras Urbanas, da cidade do Natal (RN) e que pode servir de ilustração da tese sobre a existência de especulação urbana.

Segundo um corretor imobiliário, quando entrevistado, informou que um apartamento, em agosto/2016, com 62 metros quadrados, situado em área urbana e nobre de Natal (RN), apresentou como preço de oferta inicial o montante de R$ 160 mil. Preço final de compra e venda: R$ 140 mil (essa diferença entre aquele preço de oferta e o preço final de negociação, tudo indica, se deve à uma queda no volume de negócios imobiliários urbanos, neste segundo semestre de 2016).

E, em face desses dados, pergunta-se: com esse preço final, esse proprietário estaria se capitalizando, ou não?

A fim de se responder a essa questão, pode-se levantar um histórico acerca da compra, que foi efetivada em fevereiro de 1998, pela quantia de R$ 20 mil.

Então, esse valor, atualizado, quanto representa em termos monetários, hoje?

Levando-se em conta a valorização apresentada pela caderneta de poupança, com base nos dados obtidos junto à página eletrônica do Banco Central do Brasil, aquele valor inicial de R$ 20 mil (fevereiro/1998) deve ser atualizado para R$ 89.736,78 (agosto/2016). Este seria o montante de dinheiro disponível caso o investidor tivesse aplicado seu dinheiro nesse tipo de investimento. Dessa maneira, ainda que o preço tenha sofrido uma retração, com esse montante final em que o negócio foi concretizado, seu proprietário teve um ganho real da ordem de 60%, aproximadamente.

Logo, aplicar dinheiro em diferentes tipos de ativos tanto pode levar a ganhos, quanto pode resultar em perdas. Investir tem uma lógica semelhante a um jogo. Tanto que, do ponto de vista do comprador, a compra foi realizada em função da expectativa de valorização futura, tendo em vista as condições de habitabilidade do imóvel, as condições de manutenção física apresentadas pelo edifício, bem como, a localização do imóvel adquirido. O objetivo especulativo, aí contido, portanto, manifesta a lógica do capital atuando no meio urbano.

E, essa lógica do capital que foi vivenciada concretamente por comprador e por vendedor, que, tende a distanciar investidores dos valores humanos, até porque, naquela condição, o objetivo é lucro e nesta, habitar. Quer dizer, na lógica do mercado, morar é secundário em relação ao ganho monetário. Pois, sabe-se que, comprador e vendedor tendem a viver em função desse jogo e não mais em função de atender a uma necessidade humana (habitação). Alienam-se, literalmente!

Qual o sentido disto? É essa a razão de viver, dos especuladores?

Rogério Cruz é Doutor em Desenvolvimento Econômico pela Unicamp e professor da UFRN.