Robert Capa, o fotógrafo de guerra por excelência

Dia D, em 6 junho de 1944, tornou-se um mito da fotografia de guerra. Mas sua reputação não é isenta de arranhões.

As imagens são tremidas, fora de foco. E, ainda assim, essas onze fotos feitas por Robert Capa em 6 de junho de 1944 – o chamado Dia D –, numa praia da Normandia, garantiram a ele a reputação de fotógrafo de guerra mais famoso do mundo. Mesmo 75 anos após o fim da Segunda Guerra Mundial, elas estão entre aquelas imagens que fazem parte da memória coletiva. Capa foi o único fotojornalista a desembarcar com os soldados americanos durante a invasão. A todo vapor, ele registrou o momento histórico pela retaguarda na praia de Omaha, como os líderes militares americanos designaram esse trecho do litoral francês defendido pelas tropas alemãs. Outras fotos, como The Face in the Surf (O Rosto na Rebentação, acima), mostram soldados com água até o pescoço ou tentando se proteger. Uma missão ousada e corajosa, cujas fotos, porém, tiveram sua autenticidade – e, portanto, também a reputação de Capa como fotógrafo de guerra – recentemente questionada.

A partir de 9 de setembro, diversas imagens de Capa, muitas inéditas, integrarão exposição na Fundação Nova Sinagoga de Berlim. Mas o foco, desta vez, são imagens do pós-guerra, mais especificamente, da Berlim libertada em meados de 1945.

“Se suas fotos não são boas o suficiente, é porque você não chegou perto o suficiente”

A carreira de Capa começou na Guerra Civil Espanhola (1936-1939), na qual ele fotografou a luta das tropas republicanas contra o general Franco, aliado de Hitler. Ao lado de sua parceira Gerda Taro, ele estabeleceu um novo estilo de fotojornalismo ao usar pequenas câmeras portáteis para se aproximar das linhas de combate. É dele a frase: “Se suas fotos não são boas o suficiente, é porque você não chegou perto o suficiente.” Taro morreu em 1937 durante o trabalho na Espanha.

Robert Capa (à esquerda) e Ernest Hemingway (à direita) na estrada com as tropas americanas na França em julho de 1944Robert Capa (à esquerda) e Ernest Hemingway (à direita) na estrada com as tropas dos EUA na França em julho de 1944

Robert Capa, nascido em Budapeste em 1913 de uma família judia, teve que fugir dos nazistas. De Berlim, ele rumou a Paris, de onde foi diversas vezes para a Espanha a trabalho. Em 1939, ele entrou nos Estados Unidos com visto de visitante e fez valer seus bons contatos com jornalistas, fotógrafos e escritores para conseguir trabalho. Robert Capa, que se chamava, na verdade, Endre Friedmann e cujo célebre pseudônimo foi assumido durante o exílio em Paris, não foi obviamente o único fotógrafo de guerra da Segunda Guerra Mundial. Mas ele era considerado particularmente corajoso e ambicioso – inclusive dentro das próprias tropas aliadas. No livro Slightly Out of Focus (Ligeiramente Fora de Foco), ele relata – de forma altamente ficcional, como ele mesmo descreve – sobre sua atuação na Segunda Guerra Mundial, mas também sobre seus medos e motivações. Capa queria fotos exclusivas – e queria, a todo custo, estar presente na invasão dos Aliados como repórter fotográfico. E embora fosse um cidadão húngaro de um país aliado da Alemanha nazista, os militares americanos o aceitaram no pequeno círculo de repórteres do Dia D.

Negativos exclusivos: da praia de Omaha à redação de Nova York

Para Capa, com 30 anos no Dia D, não se tratava apenas de sobreviver a uma missão. Ele também tinha que cumprir os prazos editoriais. A partir da costa francesa, os rolos de filme tiveram que ser levados através do canal de volta para Londres. Lá eles foram revelados e precisaram aguardar o aval do censor militar. Enquanto isso, um avião se encontrava a postos para levar os negativos através do Atlântico para a revista americana Life, para a qual Capa trabalhava.

Em fotografia de Robert Capa, soldados dos EUA com água até os joelhos são fotografados de costas tentando chegar à praia da Normandia no Dia D, em 6 de junho de 1944Soldados dos EUA tentam chegar à praia da Normandia em 6 de junho de 1944

Enquanto os negativos de Capa estavam a caminho de Nova York, onde também eram escritos os textos para as fotografias, o fotógrafo seguiu acompanhando o avanço das tropas aliadas. Suas fotos dos Desembarques da Normandia não apenas ficaram entre as imagens mais famosas da Segunda Guerra Mundial, mas contribuíram também de forma significativa para a reputação de Capa como excelente fotógrafo de guerra. Antes do Dia D, ele havia fotografado os combates no Norte da África e o avanço dos Aliados na Itália. Em 1947, ao lado de outros 19 correspondentes, foi condecorado pelo general americano Dwight D. Eisenhower com a “Medalha da Liberdade”.

Salto de paraquedas sobre a Alemanha nazista

Em fotografia de Robert Capa, paraquedistas americanos pousam na Alemanha nazista em março de 1945Capa fotografou paraquedistas americanos pousando na Alemanha nazista em março de 1945

Após a invasão da Normandia, em 25 de agosto de 1944, Capa se encontrava sentado num jipe militar quando sua amada Paris foi libertada. Em março de 1945, nos arredores da cidade alemã de Wesel, ele saltou com paraquedistas americanos por trás das linhas inimigas dos alemães. Capa não fotografou a Batalha de Berlim. “Havia outra história que ele queria fotografar: a libertação de Leipzig”, escreve Alex Kershaw em sua biografia de Capa, Blood and Champagne: The Life and Times of Robert Capa (Sangue e champanhe: A vida de Robert Capa).

Capa não iria a Berlim até o fim da guerra no verão de 1945, quando então fez fotos da cidade recém-conquistada e de seu povo. Quem também estava lá era a estrela sueca de Hollywood Ingrid Bergman. O caso de amor entre os dois começou na Berlim destruída e terminou no início de 1947.

O que exatamente aconteceu na praia de Omaha?

O mito do fotógrafo de guerra Robert Capa tem sido repetidamente questionado. Em junho de 2014, por exemplo, o escritor Allan Douglas Coleman iniciou um blog (capadday.com) no qual ele e outras pessoas tentam acompanhar os eventos do Dia D. Lá, a narrativa contada até hoje sobre a criação das imagens do Dia D é parcialmente colocada em xeque.

Visitante vê fotos de Robert Capa em uma exposição em homenagem ao centenário do fotógrafo em Seul, capital da Coreia do Sul, em agosto de 2013.As famosas fotos de Robert Capa do Dia D ainda podem ser vistas em exposições até hoje

A crítica, em suma, com base em pesquisas, afirma que Capa esteve na praia de Omaha mais tarde do que o afirmado até então – num momento em que o pior já havia passado.

Ele também não teria resistido no local por tanto tempo quanto se supunha, tendo tirado bem menos fotos do que as 106 declaradas. Possivelmente apenas as onze imagens conhecidas. E mais: a história contada pela equipe editorial da Life de que os outros filmes foram destruídos pelo calor por um técnico de laboratório fotográfico em Londres é tecnicamente impossível.

Teria Capa feito apenas onze fotos no Dia D?

O editor da Life, John Morris, falecido em 2017, foi responsável pela publicação das fotos de Capa na Normandia em 1944. Em entrevista concedida em novembro de 2014 à jornalista Christiane Amanpour, da CNN, ele disse que aparentemente não havia registro nenhum nos três rolos de filme queimados. “Recentemente, especialistas afirmaram ser impossível derreter o revestimento do filme a esse ponto – e que ele nunca tirou fotos nele”, contou Morris. “Hoje eu acho bem provável que Bob tenha apenas embalado todos os filmes de 35 mm que carregava consigo e os enviado para Londres, sabendo que um dos rolos teria as fotos que ele tirou naquela manhã.”

Irme Schaber, biógrafa da parceira de Capa, Gerda Taro, não descarta a possibilidade de que Capa “tenha enfeitado a safra possivelmente escassa da praia de Omaha com histórias curiosas para desviar a atenção e despertar o interesse. Ele não tinha escrúpulos, isso era sabido. O ato puramente militar nunca fora tão importante para Capa. Para ele, o aspecto humano estava em primeiro plano”, disse Schaber em entrevista à DW. Em 2007, ela foi curadora da primeira exposição sobre Gerda Taro, juntamente com o International Center of Photography, que administra o espólio de Capa em Nova York.

The Falling Soldier – uma discussão interminável

The Falling Soldier, a foto mais famosa de Robert Capa, mostra soldado caindo durante a Guerra Civil Espanhola“The Falling Soldier” – um ícone fotográfico

A famosa foto de Capa, The Falling Soldier (O Soldado Tombando, feita durante a Guerra Civil Espanhola, foi questionada pela primeira vez na década de 1970. Até hoje, pairam dúvidas sobre se a foto é real ou se a morte do soldado foi simulada no momento do clique. Uma coisa é certa: Capa e Gerda Taro não se viam como observadores alheios à guerra civil espanhola, mas sim se colocavam ao lado das tropas republicanas e da população contra Franco.

“A foto do Soldado Tombando é uma peça didática da história da mídia que levanta questões muito além do fotógrafo Capa. Esse discurso contínuo é necessário e instigante, e garante que este ícone primordial da fotografia seja transferido para a era digital de uma forma instrutiva”, opina a biógrafa Schaber, lembrando que, em ambos os exemplos, incluindo nas imagens do Dia D, a questão da verdade na guerra é um tópico particularmente difícil.

Compreender o que se passou no dia 6 de junho de 1944 na praia de Omaha é difícil e inconclusivo. Ainda não foi completamente esclarecido quem é o soldado na foto mais famosa de Capa, que mostra um soldado americano nas ondas da Normandia (The Face in the Surf). Tanto Edward Regan como Huston Riley se reconheceram nela. Para Schaber, que por muito tempo pesquisou a história de Gerda Taro, as pesquisas sobre fotografia e história militar, como sobre o Dia D, são necessárias e importantes até hoje.

Robert Capa: fotógrafo e grande artista

Retrato do fotógrafo Robert Capa com um cigarro na bocaRobert Capa na Guerra da Indochina em 1954

Para o biógrafo Kershaw, as dúvidas em torno da criação das fotos de Capa não mudam nada. “Elas são as melhores fotos do Dia D e foram reais. Elas são fantásticas”, disse Kershaw à DW. Para o escritor, isso não muda o fato de que Robert Capa é um dos mais famosos fotógrafos de guerra do mundo. “Ele foi um grande artista e fotógrafo”, diz Kershaw, uma “estrela do rock” de sua época.

Duas mulheres e uma criança choram em um cemitério com cruzes ao fundo no final da Primeira Guerra da Indochina (contra os franceses), em 1954Capa não fotografava só na linha de combate. Aqui, eternizou pranto em cemitério durante a Guerra da Indochina

Após a Segunda Guerra Mundial, Capa fundou a agência fotográfica Magnum – ainda hoje uma das mais renomadas do mundo – junto com os fotógrafos Henri Cartier-Bresson, David Seymour (Chim) e George Rodger. Ele também fotografou outras duas guerras: a primeira guerra árabe-israelense após o estabelecimento do Estado de Israel em 1948, que foi um trabalho muito importante para ele, e a Guerra da Indochina Francesa (1946-1954). Supõe-se que Capa sempre pôde decidir exatamente por qual guerra arriscaria sua vida como fotógrafo e por qual não. Para a Indochina, na verdade, ele não queria ir, escreve Kershaw, para quem o motivo de ele ter ido para lá estaria numa questão de teor emocional. Uma suspeita é que ele sentia falta do trabalho na guerra. Capa, o jogador, também precisaria urgentemente de dinheiro. Ou talvez ele também quisesse renovar sua reputação de fotógrafo de guerra, uma outra tese.

“Valeu o risco de morrer aos 40?”

Em 25 de maio de 1954, então aos 40 anos, Capa acompanhou uma unidade francesa em ação contra os soldados vietnamitas comunistas. Ele avançou um pouco pela lateral de um campo, pisou numa mina e foi mortalmente ferido. Conta-se que ainda segurava sua câmara. Se ao biógrafo Kershaw fosse hoje dada a chance de encontrar Capa pessoalmente, ele teria duas perguntas para o fotógrafo: “Valeu a pena o risco de morrer aos 40?” E, por fim: “Como é sentir que Ingrid Bergman está perdidamente apaixonada por você?”

Adaptação: Isadora Pamplona

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