Relação difícil com Congresso ofusca vitórias do governo na economia

Na última semana antes do recesso de fim de ano, a equipe econômica corre para tentar assegurar maior arrecadação e cumprir a meta fiscal que o próprio Executivo estabeleceu para 2024. Analistas ouvidos pela RFI dizem que o poder maior do Legislativo sobre as emendas orçamentárias reduziu a margem de manobra do governo e trouxe novos desafios políticos, mesmo em um ano de avanços importantes na área econômica.

Raquel Miura, correspondente da RFI em Brasília

Desemprego em queda, juros em baixa e aprovação histórica de um tema complicado, que é a Reforma Tributária, no ano em que o país adotou uma nova âncora de gastos e um modelo de responsabilidade fiscal e social.

Tal cenário, que abriga fatores positivos como esses, é real no Brasil e poderia ensejar comemorações, ainda mais no primeiro ano de governo e em um contexto de polarização cristalizada em certo grau na sociedade.

Mas eis que a leitura não é tão simples assim e o copo que parece meio cheio também pode ser visto como meio vazio. Dois pontos que se entrelaçam ajudam a explicar como 2023 termina de forma positiva e ao mesmo preocupante para a equipe econômica de Lula.

O governo precisa combater o déficit fiscal, cortar despesas e elevar receitas. Ao priorizar a segunda opção, acaba dependendo mais do Congresso, que hoje está empoderado, bem diferente daquele com que o PT teve de lidar em 2003, quando Lula assumiu a presidência pela primeira vez.

Não à toa que a equipe do ministro da Fazenda, Fernando Haddad, tem gastado muita energia nesta reta final do ano para viabilizar propostas como o projeto que regulamenta as apostas esportivas online e a Medida Provisória que trata da subvenção de ICMS e aumenta a receita do governo. Além de assegurar votos para aprovar as propostas, o esforço é para evitar a desidratação aguda do que se propõe com mudanças no texto.

Equipe econômica sob pressão

O economista Murilo Viana, especialista em finanças públicas e corporativas, lembra que, amparado pela PEC da transição, o governo começou o ano elevando gastos para dar conta, por exemplo, do aumento no valor do Bolsa Família, do rearranjo de programas e da composição na Esplanada.

Logo no início do governo houve também reajuste linear no vencimento de servidores públicos. Como o país já vinha de um rombo nas contas de anos anteriores, aumentou a pressão sobre a equipe econômica.

“A gente está vendo agora no final do ano a correria do governo para tentar viabilizar a aprovação de medidas que levem ao aumento de arrecadação. O foco do governo são as medidas de elevação de receita, que são mais impopulares e de difícil aprovação no Congresso, sobretudo num parlamento fortalecido pelas emendas parlamentares e pela liderança, em especial, do Arthur Lira, na Câmara dos Deputados”, disse à RFI Murilo Viana.

A negociação com lideranças partidárias e mesmo com alguns políticos diretamente visa não jogar por terra metas assumidas pela atual gestão. “O governo criou a nova âncora fiscal e essa nova âncora prevê o déficit zero em 2024. Então a gente já vem de um déficit primário bastante significativo e há uma promessa de déficit zero em 2024. A pressão, dessa forma, é bastante grande sobre a equipe econômica”, afirmou o economista.

Um dos fatores cruciais para se entender esse novo jogo de forças é o orçamento –  lei que estabelece como o governo gasta aquilo que arrecada. O cientista político Cláudio Couto, professor da FGV/EASP, afirmou à RFI que, diante da enorme “fragilidade do governo hoje em relação ao Congresso”, considera que houve vitórias relevantes por parte do governo.

“Eu acho até que o governo teve sucesso em coisas importantes, como a aprovação do marco fiscal ou a aprovação da reforma tributária. O Haddad, particularmente, foi muito bem-sucedido, mas são tempos difíceis para governar”, constata Couto, que elencou mudanças de 2015 para cá que transformaram a correlação de forças entre Executivo e Legislativo.

“Ainda no primeiro ano do governo Dilma, um governo fraco na relação com o Congresso, houve a aprovação das emendas impositivas individuais. Depois, no primeiro ano do governo Bolsonaro, um governo que abdicou de coordenar uma coalizão no Congresso, abdicou de liderar essa coalizão, até de formar essa coalizão, vêm as emendas impositivas de bancada, depois vêm as emendas de relator, que configuram o orçamento secreto”, explicou Couto.

O analista político disse que mesmo as restrições da Justiça quanto a essa modalidade orçamentária  não retiraram o poder dos parlamentares. “O orçamento secreto, mesmo derrubado pelo Supremo Tribunal Federal, com o Executivo com certo controle, a gente sabe que, na prática, são os parlamentares que continuam dizendo para onde esse recurso deve ir. Então tudo isso foi enfraquecendo o Executivo no seu poder de barganha com o Congresso, ao ponto de a gente ter um ministro que se licencia para votar no Senado por Flávio Dino, fica um dia a mais no Legislativo e vota pela derrubada de dois vetos presidenciais. É uma coisa surreal”, afirmou o analista se referindo ao ministro da Agricultura, Carlos Fávaro (PSD/MT).

Negociações políticas

O economista Murilo Viana lembra ainda que mesmo assuntos que marcaram de forma positiva os feitos na área econômica este ano ainda exigirão negociações políticas ano que vem. “A aprovação da Reforma Tributária, depois de 30 anos de discussões, é um marco. Mas o que foi aprovado é a parte constitucional desse tema. Ainda teremos leis e toda situação envolvendo, por exemplo, compensações”.

O analista político Cláudio Couto projeta uma conjuntura política desafiadora para os próximos anos também. “Lula governa em tempos bem difíceis. Eu não creio que isso vá melhorar em momento algum nesses quatro anos, mesmo que o governo tenha algum ganho de popularidade”.

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