Preocupados com o futuro, jovens engrossam protestos contra adiamento da aposentadoria na França

A aposentadoria ainda é uma realidade distante, para daqui a quatro décadas ou mais. Mesmo assim, a juventude francesa faz questão de marcar presença nos protestos contra a reforma da Previdência na França, que voltaram a ocupar as ruas de dezenas de cidades do país nesta terça-feira (31).

Lúcia Müzell, da RFI

Na maioria das vezes, como em Paris, os protestos reuniram ainda mais participantes do que na primeira mobilização, no dia 19 de janeiro. Conforme a contagem da polícia, 87 mil manifestantes participaram os atos na capital francesa. O sindicato CGT contabilizou 500 mil.

O principal alvo do projeto do presidente francês, Emmanuel Macron, é aumentar a idade mínima para a aposentadoria, dos atuais 62 para 64 anos, a partir de 2030. Dois anos a mais podem não parecer muito para quem tem uma carreira inteira pela frente. Mas com os exemplos dos pais em casa, a juventude visualiza o quanto o adiamento pode ser pesado para os mais velhos – sobretudo os que exerceram profissões mais duras, ao longo da vida.

“Ainda não consigo me imaginar com 62 anos, mas eu vejo os meus pais e outros adultos que eu conheço e vejo a que ponto eles são atingidos, e o quanto eu poderia ser”, disse o estudante Antoine, 20 anos. “Não tenho nenhuma vontade de ver a minha mãe se aposentar aos 64 anos, afinal ela seria atingida pela reforma, assim como o meu pai também. Então a prioridade é pelos meus familiares, mas por mim também”, complementa Hugo, também de 20 anos.

“Prefiro manifestar enquanto eu posso, aos 21 anos, do que estar nas ruas aos 62 anos – afinal eu não estaria aposentado –, para lutar contra essa reforma”, insistiu Hugo, para quem a Previdência deveria ser financiada com o aumento dos impostos sobre as multinacionais e as grandes fortunas.

Estudantes Hugo (centro) e Antoine (direita), de 20 anos, contam que, ao verem os pais serem atingidos pela reforma, “não conseguem se imaginar” se aposentando depois dos 62 anos. © Lúcia Müzell

“Protestamos pelo futuro, pelos nossos pais e outras pessoas que conhecemos, e para fazer oposição a esse sistema que, de qualquer jeito, vai certamente durar, visto o regime de direita ou até de extrema direita que cresce atualmente”, teme Antoine.

“Pelos mais pobres”

A bióloga Julie, 27 anos, já parece conformada com a ideia de ter de trabalhar até mais tarde. Pesquisadora do Museu Nacional de História Natural, ela afirma que a aposentadoria aos 67 anos é a norma entre os seus pares, que dedicaram mais anos aos estudos e passaram, portanto, a contribuir mais tarde para a Previdência Social.

“Mas eu sou completamente contra o adiamento da idade mínima, principalmente para as pessoas pobres e que vão mais sofrer. Ela também atingirá muito as mulheres, então para mim não é nada necessário fazer essa reforma”, protesta Julie. “Nós, pesquisadores, trabalhamos em boas condições, sentados e no ar-condicionado. Sei que para mim vai estar tudo bem, mas para muitos outros, não necessariamente será o caso.”

Pesquisadora Julie, 27 anos, segura cartaz no qual se lê “Borne to be dead”, um trocadilho entre a o nome da primeira-ministra Elisabeth Borne e o desejo de que a reforma seja enterrada.
Pesquisadora Julie, 27 anos, segura cartaz no qual se lê “Borne to be dead”, um trocadilho entre a o nome da primeira-ministra Elisabeth Borne e o desejo de que a reforma seja enterrada. © Lúcia Müzell

Os métodos de Macron, acusado de governar na base de um dispositivo constitucional francês que pode dispensar a aprovação no Parlamento – o chamado artigo 49.3 – também incomodam os jovens que desceram às ruas e engrossaram o coro dos sindicatos contra o projeto.

“Nos sentimos simplesmente desprezadas pelo governo”, resume a enfermeira Mona, 30 anos. “Estamos vendo que essa reforma vai passar de qualquer jeito, mas mesmo assim achamos importante demonstrar o quanto nós não concordamos com ela”, complementa sua colega Maria.

Mulheres prejudicadas

Mona e Maria explicam que na área delas o normal é poder se aposentar depois dos 65 anos. Profissão majoritariamente feminina, a enfermagem ilustra as desigualdades a que as mulheres são vítimas para se aposentar, uma anomalia que o atual projeto de reforma não corrige totalmente.

Com carreiras marcadas por interrupções devido aos filhos e cuidados de familiares, 19% das mulheres já aposentam com 65 anos ou mais na França, contra 10% dos homens. Essa é a idade para poder receber o valor integral, mesmo sem os 42 anos de contribuição necessários – que devem passar para 43, se o texto da primeira-ministra Elisabeth Borne for adotado em março, como prevê o governo.

“Não me vejo trabalhando até 67 anos como enfermeira, ainda mais considerando as condições de gestão atualmente, nos hospitais públicos”, alega Maria. “Vemos que a média de idade para estar com uma boa saúde é até os 64 ou 65 anos. Então, aposentar-se com 65 anos para logo estar com uma saúde ruim e ‘aproveitar’ a vida a partir deste momento, não é possível”, constata.

Enfermeiras Maria (esquerda) e Mona criticam os métodos de Emmanuel Macron para passar projetos sem a aprovação do Parlamento.
Enfermeiras Maria (esquerda) e Mona criticam os métodos de Emmanuel Macron para passar projetos sem a aprovação do Parlamento. © Lúcia Müzell

Para Raphael, 17 anos, que acaba de terminar o ensino médio, o texto que passará a ser analisado pela Assembleia Nacional na semana que vem só vai piorar o quadro já precário do mercado de trabalho para os jovens.

“Vai ter cada vez mais competição, e termos que trabalhar dois anos a mais significa também mais desemprego entre os jovens. Já tem desemprego demais entre os jovens e querem ainda mais”, alega. “Sem falar que é uma reforma que não é necessária. O déficit da Previdência poderia ser pago de outros jeitos. Por exemplo, nos próximos seis anos, o orçamento das Forças Armadas será de € 400 bilhões”, ressalta.

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