Pílulas Para o Silêncio

Quadro “Vista de Haarlem do noroeste, com os Bleaching Fields em primeiro plano”, de Jacob van Ruisdael) 

 

 

 

“Quando um de nós ficava parado a contemplar o deserto, o outro não deveria dizer nada. Tudo o que se pudesse dizer, naquelas alturas, ali, em frente ao nada ou ao absoluto, seria tão inútil que só poderia vir de uma alma fútil. Tudo o que se diz de desnecessário é estúpido, é um sinal destes tempos estúpidos em que falamos mais do que entendemos.”

(Miguel Sousa Tavares, em No teu deserto).

 

Todo homem, na sua singular identidade, leva um oásis no deserto da alma.

 

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Desertou de tudo e ganhou terras sem limites. Ao retornar, anos depois, reencontrou-se com sua própria miragem na fronteira de casa.

 

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Invadiu o deserto na companhia de si. A cada infinito que vencia, mais a amplidão lhe invadia. No sol final, percebeu-se, só assim, bem acompanhado: ele, sozinho consigo.

 

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Ao voltarem para o seu lar, após ultrapassarem o Saara, traziam areia na bagagem e a sede de viver de dois camelos.

 

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O sol se pôs, e as estrelas luziram freneticamente no céu desértico; o poeta, maravilhado com tamanha beleza, silenciou, alumbrado.

 

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O verbo é incapaz de traduzir a calmaria do ermo.

“Cala-te e venera-me!”, ordena o vento sibilante.

 

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Frente ao inominável, a prosa vacila. Frente ao indecifrável, a poesia se eterniza.

 

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Na tempestade no deserto, ele se ajoelhou, fechou os olhos, baixou a cabeça e voltou seu olhar para dentro de si. Quando tudo passou, viu-se homem de areia.

 

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No teu deserto me acheguei. Para nele ouvir o teu silêncio.

No teu deserto armei a minha tenda. Para nela habitar em sacrifício.

Pouco importa se sobreviverei a tamanho desafio, a vida só nos vale pelo desvario.

 

“No deserto, não há muito a dizer: o olhar chega e impõe o silêncio.”

(Miguel Sousa Tavares em No teu deserto)

 

*Clauder Arcanjo é escritor e editor, membro da Academia Norte-rio-grandense de Letras.

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