Pílulas para o Silêncio (Parte CLXXXVII)

Clauder Arcanjo*

 

 

(Pintura “Família enferma” (1920), de Lasar Segall)

 

Diário da Quarentena IV

 

Desceu do cavalo e observou o rastro da rês junto ao bebedouro. 

— Parece que está mais magra! 

Montou e continuou sertão adentro. Ao se aproximar de uma capoeira grande, apurou os ouvidos. 

— É o chocalho dela — concluiu. 

Quando escolheu uma sombra, a fim de amarrar o cavalo cansado, a novilha se aproximou; descarnada porém altiva. Ao seu lado, um bezerro novo, cria de um touro desconhecido. 

Ele aboiou baixinho, como a se apresentar para a alimária fujona. 

Ela lambeu a cria, sacolejou a cabeçorra, e fez com os cascos modos de repulsa. 

— Fique em paz. Se quiser voltar, a terra é sua! 

Montou no cavalo, ajustou o chapéu de couro e aboiou um lamento. Tão dorido, que toda a capoeira silenciou. 

 

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Sobre a escrivaninha, os rascunhos da noite. Quis salvar os cacos da produção última; mas, quanto mais relia, mais concluía que a noite não lhe fora companheira. 

Revoltado, levou os papéis para junto do fogão a lenha, destinando-os ao fogo. 

Ficou sentado, calado acompanhando o crepitar das chamas. Sobre a trempe, o bule de café. “Água fervida com o calor dos meus miolos!”, pensou. 

Serviu-se do moca na caneca de ágata. Depois de seguidos goles, a mente mergulhou num mundo de… 

Correu para a escrivaninha e varou a manhã, rabiscando, a tecer histórias novas. 

O fogo às vezes incendeia a inspiração. 

 

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Nunca gostou de visitar hospícios. Gostava de ficar longe dos seus semelhantes. 

 

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No dia em que decidiu ser romântico, assumiu a forma mais bisonha e melosa. 

A risada da sua pretendente, simbolicamente, empurrou-o, de mala e cuia, para os braços dos mal resolvidos. 

— De agora em diante, serei um filiado do clube dos solteirões! — esbravejou. 

Ao se encontrar com a bela Ritinha na esquina seguinte, rasgou o ainda não assinado cartão de filiação. 

 

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— Preciso de novos ares — anunciou, antes de sair de casa. 

Migrou para a cidade grande. Lá, estudou, labutou e fez renda. 

Anos depois chamou a família e comunicou-lhes: 

— Preciso dos ares da minha província! 

E, sem dizer mais nada, depressa para ela retornou. 

 

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“Quanto mais gordo o defunto, mais sofrida a cova” — confabulavam, entre si, os ajudantes do coveiro, mal anunciaram a morte do poderoso homem da província. 

 

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Tudo lhe ocorrera tão depressa que se esquecera de viver a vida. 

Quando o médico orientou-a, após ouvir o seu debulhar de lamentos: 

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