Pílulas para o Silêncio (Parte CLXVII)

Clauder Arcanjo*

(La Ronde du Sabbat, de Louis Boulanger)

Eram tão brutos e ignorantes que o morador mais educado da casa era o gato Homero. 

Quando o despautério assomava entre eles, o bichano ronronava por entre as pernas dos membros da família. Com pouco, serenavam com receio de desrespeitar o felino. 

— Deixe estar! Quando Homero voltar a dormir, a gente conversa… Deixe estar! 

 

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— O que tanto te aflige? 

Não havia resposta. Apenas um torpor no corpo, e uma angústia louca a varrer sua mente inquieta. Atordoado, abriu a porta da frente, a tentar haurir o vento fresco da manhã. 

— Por que tu não jogas toda essa agonia no lixo? — indagou-o. 

Voltou-se para ela, abrindo os beiços largos, a mostrar-lhe os dentes afiados. Em seguida, disparou: 

— Minha querida, minha querida! A tua lixeira é tão pequena! 

 

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Na manhã chuvosa, ele saiu para ver o sol. Na tarde quente e marcada pelo calor, pôs o paletó e disse que iria esperar a chuva. Na noite estrelada, surgiu na varanda e correu para o jardim, a fim de espiar o firmamento totalmente escuro. 

Quando voltou para o seu aposento, já na madrugada, decepcionado com a vida, murmurou consigo: 

— O mundo não me entende! 

 

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— Precisa ler este livro. Que bela obra! 

— Mas, meu amigo, eu… 

— Uma narrativa primorosa, ritmo de escol, coisa de mestre. Vamos, leia! 

— Eu? Eu não leio em… 

— Não seja preguiçoso. Por favor, é um clássico! 

— Eu não leio nada em fran… 

— Não entendo como um leitor como você ainda não o leu. Não sabe a beleza que está perdendo! 

— Amigo, eu não leio em francês! 

— Eu também não, mas aprenda a disfarçar. Ora bolas! O importante, nesta terra de tantos francófilos, é fingirmos dominar a língua de Balzac. Primeiro passo, suspire assim: Oui, oui! 

 

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Quando descobriu que a morte se lhe aproximava, converteu-se num profundo estudioso da teologia. 

Pouco tempo depois, ao escarafunchar a “Parábola do Filho Pródigo”, ele suspirou, enfim apaziguado: 

— Pai, reserve o meu lugar! 

 

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Quis rabiscar um verso; o poema não veio. Desistiu de ser poeta. 

Na outra semana, a tentativa de conceber uma canção; a melodia não surgiu. Abandonou o ofício de compositor. 

Um mês depois, arvorou-se romancista; a ficção, no entanto, não se concretizou. 

Amargurado, ele tocou fogo nos tomos de poesia, nos discos reunidos, assim como nos romances da estante. 

A esposa assacou-lhe a pecha de Nero da Cultura. E só então ele se aquietou. 

Clauder

*Clauder Arcanjo é escritor e editor, membro da Academia Norte-rio-grandense de Letras.

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