Pílulas para o Silêncio (Parte CLXIX)

Clauder Arcanjo*

 

 

 

 

 

 

 

(Espada de Dâmocles, de Richard Westall)

Maio não baniu a peste. Junho, pelo jeito, vai ter fogueiras sem quadrilhas. 

Dentro das casas, perante a tevê, a infausta certeza de que quadrilhas somente as instaladas nos centros do poder. 

 

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— A quem tu tanto chamas? 

O pequeno homem calou-se, voltou-se em minha direção e, com pouco, reiniciou o chamado. 

— Por que, ao invés de chamares por alguém, tu mesmo não fazes? — indaguei-o. 

Silenciou, limpou a garganta já cansada e me explicou: 

— Meu senhor, meu caro senhor! Certas missões não são para um homem só! Em especial, crê-me, aquelas que visam à mudança de nós próprios. 

Eu, inquieto, resolvi afastar-me. Suspeitando de que tal convocação seria para mim. 

 

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No seu silêncio, o grito mais forte. Na sua paz, a revolta revolucionária. Nos seus lábios contidos, o choro mais convulso. Na divisão da comida, o milagre da multiplicação. 

Até hoje não aprendi a ser como minha mãe me ensinou. 

 

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— Precisa escrever um poema. 

— Mas, eu… 

— A poesia descreve o que há dentro de nós, o cerne do humano. Tão somente pelos versos é que uma nação revela seus mitos, seus ritos, seus valores. Por isso, insisto, cuide de conceber um poema. 

— Eu? Eu… 

— Não se faça refém do mero prosaísmo. Por favor, isso não! 

— Eu… sou… 

— Não admito que você se entregue ao pragmatismo, ogro que resseca o terreno do espírito, que murcha nossos sonhos, que zomba das nossas utopias. Não, mil vezes não! Diga-me, por favor, me diga que você não cerrou fileiras a tais desumanidades?! 

— Meu amigo, eu sou da companhia fornecedora de energia elétrica. Vim até aqui para lhe comunicar que vamos cortar a sua luz! 

— Não, não creio nisso. Sem luz, sem luz. Não, não creio. 

 

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Tombou ao cair da tarde. Num crepúsculo banhado de beleza e de alvíssaras. O céu estava tão pleno de venturas que ninguém deu pelo seu corpo magro estendido no chão da praça. 

— Vejam, lá no alto! Como Deus é grande, hoje teremos uma noite com muitas estrelas! 

 

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Toda ocasião em que o elogiavam, ele beliscava o braço. Até que, numa certa ocasião, não aguentou tanto beliscão e disparou: 

— Vão estragar outro, bando de bajuladores! 

*Clauder Arcanjo é escritor e editor, membro da Academia Norte-rio-grandense de Letras.

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