PÍLULAS PARA O SILÊNCIO (PARTE CCXVI) – Clauder Arcanjo

Foto “Casa abandonada”, de Marcelo Visentin.

Há muitos estudos que afirmam que ter um artista, um bailarino, um ator, ou mesmo um poeta, ajuda a combater o stress, a baixar o colesterol mau, o que nos torna cidadãos e profissionais mais produtivos, concentrados e eficazes.

(Afonso Cruz, em Vamos comprar um poeta.)

 

Caminhei. Subi morros, desci ladeiras, rompi léguas; cansei, mas cheguei. Quando me vi diante da casa dela, abandonada e entregue ao desprezo do tempo, os olhos se esbugalharam de espanto. Quem sabe de tristeza ou de raiva. Ou uma mistura desses dois sentimentos.

Tristeza por ter chegado atrasado. E raiva, por não ter decidido voltar mais cedo.

Sinceramente, sempre desconfiei do meu destino trevoso.

 

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Jacinto Portela entrou na loja de artigos de couro e disse que queria adquirir uma carteira de cédulas:

— Meu senhor, esta é uma das melhores. Um must!

— Quanto custa, rapaz? — indagou.

— Está na promoção da semana, apenas trezentos reais.

Jacinto deu as costas e saiu. Quando ganhou a calçada, Portela filosofou: “Prefiro aquecer minhas algibeiras com os trezentos reais em vez de uma vazia carteira da moda!”.

 

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O pastor Cacinólio elevou as mãos para os céus, reclamando contra a infestação da Terra pelos poetas.

— Senhor, a Poesia está me parecendo obra de Belzebu. Os homens e as mulheres são atentados pelos versos, tangidos pelas rimas e flanam apaixonados pela lírica mundana.

Na esquina dois bêbados recitavam versos de Augusto dos Anjos, enquanto a ponte espiava o rio do tempo passar.

 

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Neurídio Pompeu meteu-se a estudar a mitologia grega. Enamorou-se de Afrodite, iluminou-se tal qual Apolo, zangou-se com Ares, ficou aluado devido Ártemis e embriagou-se na companhia de Dioniso.

Depois de meses na companhia dos deuses da Grécia, mudou-se com livros e cuia para a mitologia romana. Em pouco tempo apaixonou-se por Vênus, dançou sob a luz de Febo, esbravejou contra o mundo sob a influência de Marte e bebeu todas na companhia de Baco.

Quando conheceu Fortunata, Neurídio Pompeu largou a mitologia e entregou-se barbaramente à nova deusa da sua rua.

 

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Damião Gonzaga tornara-se tão aficionado pelas novelas de tevê que, há anos, encantou-se pelo garimpo em Coroado, mas, após poucas semanas, faltou-lhe coragem. Em “Selva de Pedra”, cristianizou-se. Para, em “O Bem-Amado”, imitar o discurso estrambótico de Odorico Paraguassu. Em seguida tentou a vida em Ilhéus, no entanto apenas cravo e canela, nada de Gabriela; consolou sua mágoa no velho Bataclan. Um ano depois aderira ao espiritismo em “A Viagem”.

Nos passes da discoteca Damião rebolava-se entre as garotas do bairro ao som dos Bee Gees. Nisso ele desenvolveu uma hérnia de disco, sem avançar muito nas imitações das evoluções de Dancin’Days.

Meses depois vestia-se à Sinhozinho Malta e sonhava nos braços da Viúva Porcina.

Quando se viu diante de “Vale Tudo”, Damião Gonzaga bradou:

— Não, cansei; agora irei ao mundo do teatro!

Como estreia, no palco: “Bonitinha, mas ordinária”. Na próxima temporada, uma nova peça; Damião saiu dela e está, até hoje, “Esperando Godot”. Um absurdo!

 

*Clauder Arcanjo é escritor e editor, membro da Academia Norte-rio-grandense de Letras.

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