PÍLULAS PARA O SILÊNCIO (PARTE CCXCIX)

Clauder Arcanjo*

(Pintura “O violoncelista”, de Amedeo Modigliani)

Releio alguns livros que estimo e concluo que o meu inferno está na
mestria dos clássicos.
Minha sorte é a teimosia ser o apanágio dos medíocres.

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Noto na parede branca, em frente ao meu prédio, os vestígios de uma
pichação antiga. Imagino-a e tento reavivá-la, mas nada me acode.
— Uma obra aberta! — declaro em tom professoral, enquanto um
transeunte me julga como mais um maluco à solta.

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A sirene de uma ambulância soa entre o tráfego de final da tarde. Aquilo
me leva à cova do silêncio.
Alguém sofre, imagino, enquanto no umbral do crepúsculo um pássaro
chilreia animado.
A Natureza não liga para o sofrimento humano, filosofo.

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Companheiro Acácio me comunica que já leu e releu todos os meus
aforismos.
Resolvo, então, interrogá-lo:
— E o que me dizes?
Acácio cofia o bigode bem aparado, sunga as calças de linho e declara:
— Está pronto para a minha crítica, Clauder Arcanjo?
— Claro, senão não te interrogaria!
Ele se afasta um pouco, põe a mão no trinco da porta, deixando-a
entreaberta, enquanto afirma ligeiro:
— O teu melhor aforismo, Clauder, foi aquele que ainda não escreveste.
Quanto aos já publicados, as traças se encarregarão do merecido olvido.

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Se não imaginas, a verdade não te acolherá. Se não buscas o
verdadeiro, o universo da ficção nunca será a tua morada.

 

*Clauder Arcanjo é escritor e editor, membro da Academia Norte-riograndense de Letras.

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