PÍLULAS PARA O SILÊNCIO (PARTE CCLXXXIII)

Clauder Arcanjo*

 

 

(A Banheira, de Edgar Degas)

 

O idiota

 

Tudo amo, admiro e compreendo.

Sou como um sol fecundo

Que adoça e doira, tendo

Calor apenas.

Puro,

Divino

E humano como os outros meus irmãos,

Caminho nesta ingênua confiança

De criança

Que faz milagres a bater as mãos.

(Miguel Torga, em “Inocência”.)

 

Creio na humanidade, na boa vontade que nos move, nos sonhos que nos impulsionam, na alegria que nos encanta e comove.

Confio nisso e propago, incansavelmente: com minhas palavras, meus atos e, em especial, com inúmeras renúncias.

Ao assim agir, alguns proclamam, ao me ver passar: “Pobre homem, é simplesmente um idiota!”

 

***

 

Ao cruzar com os transeuntes nas ruas, saúdo a todos com “bom dia”, “boa tarde” ou “boa noite”. Nem sempre recebo tais votos de volta, no entanto isso nunca arrefeceu o meu ânimo de desejar-lhes, na manhã seguinte, horas melhores.

Certa ocasião alguém ao lado estranhou minha atitude e, instantes depois, ao fazer o balanço final de quantos me desejaram bons votos, indagou-me:

— Não te cansas?

— E por que me cansaria? — devolvi-lhe.

— Eles não ligam para ti! — assacou-me.

— Mas eu me importo com eles.

E, entredentes, concluiu:

— Idiotice.

 

***

 

Acredito que um futuro melhor há de vir: no qual os homens convivam com civilidade, imersos na construção de uma sociedade mais justa, igualitária e fraterna.

Sei que muitos de vocês, recolhidos pelo pragmatismo nefasto, atribuirão tal esperança ao reino dos idiotas. Se assim o for, pouco importa, prefiro vincular-me a tal império do que ser signatário do pessimismo fúnebre.

 

&&&

 

Levo no olhar o fulgor de quem busca novas respostas, nas mãos a ferramenta que não cansa de investigar outras saídas, no dedo anelar o sinal azul de quem sonha com a justiça; e, à frente, a vontade de caminhar ao lado dos excluídos e necessitados.

Se caminharei sozinho? Há uma legião silenciosa que caminha desse modo.

 

***

 

— Há quanto tempo tu ages assim? — interrogou-me.

Cocei o queixo e, sinceramente, não sabia o que lhe responder.

— Diga-me, desde quando? — insistiu.

Se lhe respondesse, pressentia, ele não me entenderia.

— Vais assim até…

— … até o fim dos tempos.

 

***

 

O Sol me anima, a Lua me instiga; a nuvem me faz manso como um cordeiro, a chuva me renova no campo da esperança.

Se o Sol não vem, aguardo a Lua. Se a nuvem não marca o horizonte, espero pelo novo amanhã, sabedor de que, a qualquer momento, ele nos trará a chuva.

E, caso tudo não venha, recolherei o brilho da minha memória, cantarei no luau na minha rua e declamarei versos de chuvarada ao alvorecer.

 

***

 

E, idiota que sou, flagro-me a cantar alguns versos do poema “Borboletas”, de Manoel de Barros, para este nosso encontro encerrar: “Vi que as árvores são mais competentes em auroras do que os homens. /Vi que as tardes são mais aproveitadas pelas garças do que pelos homens. /Vi que as águas têm mais qualidade para a paz do que os homens. /Vi que as andorinhas sabem mais das chuvas do que os cientistas.”

 

*Clauder Arcanjo é escritor e editor, membro da Academia Norte-rio-grandense de Letras.

Deixe um comentário