PÍLULAS PARA O SILÊNCIO (PARTE CCLXXXI)

Clauder Arcanjo*

(Pintura “O Menino Chorando”, de Bruno Amadio)

 

Meus temores

 

Tudo o que trago em mim está à mercê dessa cidade, que é minha origem.

(Thomas Bernhard, em Origem)

 

Na infância, eles brotaram. Pensando bem, foram-me enxertados. Com os anos, nutridos pelas adversidades do cotidiano, ganharam foros de perpetuidade. Para depois, de forma assumida por mim, passarem a ser parte “ativa” do dia a dia.

Hoje, os meus temores falam tanto de mim quanto as próprias certezas; como singulares fundamentos para os meus atos, recuos e as minhas omissões.

 

***

 

Cercado pelos temores, cresci, amadureci e evitei me abraçar com a fraude do super-homem.

 

***

 

Mamãe e papai tentavam deter o avanço dos temores que rondavam o meu quarto. Mal sabiam eles que, enquanto zelosos fechavam a porta da frente, alguns deles já eram moradores da nossa humilde casa.

 

&&&

 

Todo temor traz em si um bocado de cautela, uma cambulhada de medo, sem mencionar advertências para os incontáveis recomeços. No entanto, sem temor, a vida se transforma num combate suicida.

 

***

 

— Há tantos horrores assim dentro de ti? — inquiriu-me o pretenso destemido.

Calei-me frente àquela interrogação, estranhando como alguém poderia caminhar sem o seu quinhão de fantasmas.

— E tu, corajoso, há quantos dias não tens pesadelo? — indaguei-lhe.

E o arrogante, agora taciturno, não quis mais saber de nenhuma questão.

 

***

 

Meu maior pavor é esquecer a condição de provinciano. Abandonar o chão de origem foi necessário, exigência da vida; porém desprezar aquele mundo me faria um morto-vivo. Sou cria de Licânia e nada melhor me define, nem me faz mais vivo.

 

***

 

Embora no mais das vezes os temores me assustem, encaro tal presença como patrimônio pessoal, herança das histórias medonhas que ouvi no tempo de eu-menino, colheita mercadejada entre os versos de cordéis, a me revelarem heróis, mitos e bandidos; causos contados no alpendre das fazendas de Licânia, alumiados tão somente por olhos assustados e pelo “diabólico” clarão da Lua.

Hoje, desconfio, melhor um homem assustado do que um celerado, sem peias, sem limites.

 

*Clauder Arcanjo é escritor e editor, membro da Academia Norte-rio-grandense de Letras.

Mostrar comentários (1)