PÍLULAS PARA O SILÊNCIO (PARTE CCLXXIII)

Clauder Arcanjo*

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

(“O mendigo cego”, de Jules Bastien Lepage)

Confidências aos banguelas

 

Jesus não tem dentes no país dos banguelas

(Titãs)

 

Quem quer amor de verdade? O mendigo na esquina; o guri esquecido na sarjeta da morada dos ricos, “sonífera ilha”, que desperdiçam a comida, por não terem mais fastio, ou por ter pouco tempero? Quem quer?

Quem quer amor numa nação de inverdades? Quem quer?

 

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Acordei com febre e me cercaram de cuidados.

E quem cuida dos irmãos desvalidos, famintos de solidariedade?

— Vitamina C e cama! — ordenaram-me.

E quem ofertará cama e vitamina aos espoliados? Aos que rolam no frio, ao relento da madrugada, sob o julgamento dos próceres da sociedade, a sentenciarem-nos criminosos sem nunca terem cometido delito algum, a não ser o da teimosia de resistência à morte. Que os cerca, noite e dia, e que eles banem com as últimas forças.

Jesus não terá dentes neste país de banguelas?

 

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A poesia me veio ao céu da boca, e eu a vomitei fora. Não há de haver rimas nesta nação de poucos homens e muitos cretinos. Não sobrevirá canção neste pântano de dores e de angústias.

Se uma estrofe ousar pôr o seu rosto fora, saibam todos, ela comungará com fezes.

— Merda à vista!

 

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Jesus não terá pena deste país?

Quem terá pena de nós, se não temos pena de nós mesmos? Quem há de nos ofertar uma dentadura, se nós próprios extirpamos, com som e fúria, os molares de nossos conterrâneos?

Jesus não tem que ter pena deste inferno.

 

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Se me permitem um conselho, banguelas mil, deem um jeito de morderem com as gengivas, sangradas ou não, a parte que lhes cabe nesta porfia sem fim. Ninguém, creiam-me, dará um dente sequer pela salvação de vocês.

Jesus não tem dentes no país dos banguelas

Jesus não tem dentes no país dos banguelas

Jesus não tem dentes no país dos banguelas

Jesus não tem dentes no país dos banguelas

 

*Clauder Arcanjo é escritor e editor, membro da Academia Norte-rio-grandense de Letras.

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