PÍLULAS PARA O SILÊNCIO (PARTE CCLII)

 

Clauder Arcanjo*

 

(Pintura “Os amantes”, de René Magritte)

 

O amor

 

“O amor é estrada batida.”

(Augusto Meyer, em “Cavaquinho”)

 

Quando jovem, a carne se assanhara. Um fogo incompreensível. Por qualquer das belas moças que lhe corria frente aos olhos.

Hoje, com Ana. Amanhã, com Maria. No outro dia, com Amélia.

“Se aquiete, meu filho. Veja aquela que lhe completa”; alertava-lhe Dalgísia, a boa mãe.

Num final de manhã, ao retornar para casa, Agostinho viu uma dama a descer do ônibus que acabara de chegar da capital. Os olhos perderam o foco, a voz meteu-se em engasgo, a língua engrolada no céu da boca, as pernas bambas… um vulcão a irromper dentro do coração acelerado.

“Meu Deus!”; foi tudo que conseguiu dizer minutos depois.

Agostinho só tinha pensamentos para aquela mulher. De nome, Clarinha.

Mas, coisa do destino, Clarinha não lhe correspondia.

Agostinho clamava, chorava, sofria… e Clarinha a brincar, ora com Aristides, ora com Mauro, no outro dia, com Américo.

Numa noite longa, ele quis saber a opinião da mãe:

“Por que isso, mamãe?”

“Não sei, mas um velho poeta um dia versejou na calçada da nossa casa: ‘O amor é estrada batida’. E eu, se permite o aproveito do mote, eu lhe devolveria: ‘E de pedras afiadas, ferinas!’”

 

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O Amor não tem origem, passado nem futuro. O Amor tem os dois olhos no presente; e se conserva preso ao instante, que ele imagina infindo, eternamente.

 

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Um apaixonado em Licânia versejou, em prosa:

“Doirei as nuvens e as ofertei ao cair da tarde. Ela nem ligou para o meu crepúsculo. Acordei o sol e pus os primeiros raios da manhã no beiral da sua varanda. Ela reclamou de o dia tê-la despertado tão cedo. Fiz-lhe uma cançoneta com os versos mais apaixonados, e lhe fiz uma serenata no sereno da madrugada. Ela me tocou de sua casa; e, aqui estou, todo marcado pela fúria do seu cão de estimação. Resolvi sondá-la com um bilhete franco: ‘Já não se fazem mais musas?’. E ela me respondeu, com um cartão agressivo: ‘Vai trabalhar, seu abestalhado!’. Hoje, jogarei no rio meus poemas românticos e mandarei essa dona pastar. Amor tem limites!”

 

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Peru de bobeira em frente da casa de esfomeado é motivo para se antecipar a ceia de Natal.

 

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“Dormirei nos teus braços esta noite?”; indagou-lhe o marido.

“Só depois de moer você com uma boa surra, seu safado. Isto é hora de um pai de família chegar em casa? São onze da manhã!”; devolveu-lhe a esposa.

“Ih, voltei muito cedo. À noite, querida, eu estarei de volta. Mais apaixonado do que nunca. Eu prometo!”

 

“Toda pessoa honrada prefere perder a honra a agir contra a própria consciência.”

(Montaigne, em Ensaios)

 

*Clauder Arcanjo é escritor e editor, membro da Academia Norte-rio-grandense de Letras.

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