PÍLULAS PARA O SILÊNCIO (PARTE CCLC)

Clauder Arcanjo*

 

Apontamentos de fim de tarde

 

Subo a rua e me encontro com a Saudade. Ela me pergunta pelos meus, e eu respondo-lhe com uma lágrima de silêncio.

Ao dobrar a esquina, escuto o riso irônico da doidivanas, sempre a tripudiar do que nunca entenderá, pois geralmente não se consegue compreender o que constitui a nossa própria essência.

 

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Tolo, fiquei a esperar pelo tempo, enquanto o tempo esperava por mim. No fim dos tempos.

 

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Adamastor, após fartar-se, limpou o bigode grosso e saiu da mesa. Foi ao terraço e, de lá, observou a lua cheia, imponente na vastidão da noite. Um acento de lembrança correu por entre os seus olhos lívidos e ele sentiu um quê de incômodo no peito frio.

Quando se recolheu para dormir, Adamastor sonhou com Dôra. Quanto mais ele pedia que ela voltasse, mais Dôra, farta de tudo, desaparecia no clarão de um luar inalcançável.

 

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Releio uns versos de Clarice Lispector:

 

Pouco não me serve,

médio não me satisfaz,

metades nunca foram meu forte!

 

E resolvo, com tais versos, dialogar:

 

Quando o pouco me servia,

o médio não mais me satisfez,

E, de metades, eu me regalei!

 

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Quanto mais relia Rousseau, mais Companheiro Acácio se perdia entre Os devaneios do Caminhante Solitário.

Certa noite, intrigado com A origem da desigualdade entre os homens, Acácio conhecera Emílio. Na manhã seguinte já resolvia mergulhar n’As confissões; e, no final da tarde, ao anunciar ser signatário Do contrato social, ficaram evidentes seus princípios do direito político.

— Troco toda a minha filosofia por A nova Heloísa! — respondeu Acácio ao ser saudado como um “bom selvagem”.

 

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O mar não é somente ondas nem espumas. O mar é um oceano de aventuras sem fundo onde o alumbramento está ligado ao ondear do quase infinito que se desvenda quanto mais aceitamos a presença espumante do inominável.

Trate-me por Ishmael. Miragens na praia?

 

*Clauder Arcanjo é escritor e editor, membro da Academia Norte-rio-grandense de Letras.

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