PÍLULAS PARA O SILÊNCIO (PARTE CCCXXXIX)

 

                                                                                                                       Clauder Arcanjo*

 

Confidências a Valdi Ferreira Lima

 

toda vez que abro os braços

para o amor

acabo batendo com os dedos

nos meus pontos cardeais.

 

Vou para as margens do Acaraú. Lá, rio de minha Licânia, os pontos cardeais pouco me transmitem: tão somente os dedos que tocam o nascente e o poente falam mais para mim.

 

ou o leste é apenas

um ponto onde dizem

que o sol nasce?

 

Meus caminhos, Valdi, passam por Sobral, sobem a Meruoca e colhem os vestígios ancestrais do nosso sertão. A verdade, meu amigo, a verdade poética, é sonhar com os lestes que a vida tem.

 

que parte do homem seria

seu sul?

 

Valdi Ferreira Lima, se teus Poemas para se assobiar de longe puderem se espalhar pelas várzeas do meu destino, hei de colher nas palavras sertanejas: o rincho do burro, o balir das ovelhas ariscas, o roncar do porco-do-mato, o canto da juriti tão perseguida… Seria esse o meu plano?

 

por que querem tanto

saber dos meus planos

 

Sou catador de palavras, amigo Ferreira Lima. Ou seriam fonemas?

Pouco importam as definições: a Poesia é maior do que os dicionários.

 

invento poemas

nuvens peregrinas

 

Leio teus versos, Valdi, e sinto a boa inveja, em carne viva.

O bom escritor sempre fala por nós: com mestria nos traduz, nos revela, nos dá suprema luz.

 

mesmo que esse tempo escuro

nos pegue

com nossos versos

estendidos nas calçadas

 

— Clauder Arcanjo?!

— Fala, Poeta.

O silêncio me vem como resposta.

O Poeta não sabe falar, não como quem desfila imposturas, feito aqueles politiqueiros que infestam o nosso sertão “como moscas / nessa fumaça de pólvora”. Ele só sabe voar, “caçando a liberdade perdida”.

Enquanto isso, volto a Licânia e “encontro meu fantasma / escorado na porta”. Ele me “enfrenta / com venta / e bunda / empinadas”; em seguida, põe em mim os seus olhos de pedra, Valdi, enquanto (re)clama:

 

deixem em paz

meus poemas!

 

Eu queria tentar mais uma vez, “não tirem de mim / esse engano”.

 

Fonte: trechos em destaque extraídos da obra Poemas para se assobiar de longe, de Ferreira Lima (Fortaleza: Editora Radiadora, 2019).

 

*Clauder Arcanjo é escritor e editor, membro da Academia Norte-rio-grandense de Letras.

 

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