PÍLULAS PARA O SILÊNCIO (PARTE CCCXXXIV)

(Quadro “As duas Fridas”, de Frida Kahlo)

De repente chegam os anos
como se viessem nos devolver a infância
De repente partem os anos
Como se fossem ordenhar a memória

(Ferreira Lima, em Outono do quase novo.)

 

Para mim, todo cego tem um quê de Jorge Luís Borges. As pedras no
caminho se parecem com a de Drummond, no meio do caminho. Cada rio que
me banha traz águas de Pessoa e do rio da sua aldeia, sendo na realidade
enchentes da minha província.
A meu ver, a realidade se completa no mundo da literatura: real e
presente junto aos meus passos.
Só entendo e me realizo naquilo que traduzo em palavras.

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Sábia orientadora, mamãe me advertia:
— Não profira más palavras, filho!…
Tal orientação torna o meu mister de escritor uma luta diária e difícil:
nunca sei se estou evitando as “más palavras” que Maria, boa mãe, me exige.

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Topei comigo na noite de Natal e senti vergonha do presente que dava
ao mundo.

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Suspirava outonos e seus desejos caíam no chão de sonhos mortos.
Ao se perceber primavera, refloriu os brotos de esperança e encantou o
arco-íris do novo dia.

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Pândego se irrita se a piada o coloca como a figura central do riso.

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A infância se torna valorizada quando a memória a recupera do
esquecimento dos anos.

 

*Clauder Arcanjo é escritor e editor, membro da Academia Norte-rio-
grandense de Letras.

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