PÍLULAS PARA O SILÊNCIO (PARTE CCCXXXI)

(Parte CCCXXXI)

Clauder Arcanjo*

 

 

(Mulher de azul lendo uma carta, pintura de Johannes Vermeer)

 

Cosmino Varela sempre foi tido como um polemista de escol. Se todos eram partidários da abertura, ele cobria o seu discurso com fundamentos a favor do fechamento total e irrestrito. Se no mês seguinte a cidade se filiasse aos defensores das porteiras cerradas, Cosmino, de imediato, cuspia palavras tocantes em prol do regime aberto.

Último domingo, ele entrou na reunião dos Filantropos de Licânia e, sem medir palavras, disparou:

— Até do bem se enjoa, caso não saibamos reinventá-lo. O mal passa ao largo de tal risco porque não cansa de se recriar. Nunca se vê o mesmo Diabo duas vezes, meus senhores.

 

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Paltina Carrasca era a última a se retirar da calçada. Sabia ela que nesse tipo de conversa nenhuma dama ausente teria a sua conduta poupada.

 

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Adalgisa Pancrácia amanheceu com asco de tudo: dos compromissos de mãe, da igreja, dos vizinhos. Quando Bartolo Manga, o apaixonado esposo, se aproximou com chamegos afoitos, mandou-o colher amores no Caneco Amassado:

— Vá para lá, Bartolo! Hoje estou com abuso até de mim.

 

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Pai de família endividado sonha com as bênçãos de uma gorda loteria até em missa de corpo presente.

 

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Alzetina Margúcia entrou tão ligeiro e saiu ainda mais depressa que nem deram por sua presença. Quem muito deve tem parada breve.

 

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Caduca-se mais cedo quando o baú da memória foi preenchido por lembranças vazias.

 

*Clauder Arcanjo é escritor e editor, membro da Academia Norte-rio-grandense de Letras.

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