PÍLULAS PARA O SILÊNCIO (PARTE CCCXXII)

(PARTE CCCXXII)

Clauder Arcanjo*

As placas das pequenas ruas

exibem à sucata da tarde

nomes suspeitos como uma rasura.

 

          Nas Quintas, na regência lírica do Potengi, os bêbados menosprezam os homens de terno e gravata, enquanto os poetas exortam a todos para vivermos o dia.

          Haveremos de nos reencontrar, na Estação Angicos, com Luís Carlos Guimarães (“parecia estar sempre chegando/ com ar de novidade descuidada/ de seu horizonte breve de cortina…”), Deífilo Gurgel, João Lins Caldas… Levarei Manoel Onofre Júnior comigo.

 

— “Tua vertiginosa e infinita tristeza /me comove”, Jarbas Martins!

 

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A princípio é preciso aprender

Que um pássaro não é mais uma voz alada

A despertar do azul e da sacada

A ancestral passarela ou que há por vir.

 

Dentro das “14 linhas”, Jarbas, desvendas um mundo inteiro. “Proezas de fazer ninhos no ar.”

— Toma este prosear e dele, amigo, edifica um novo cruzeiro. Desses que povoam os sertões gerais, assinalando a fé de um chão sagrado!

 

          Esqueci-me de Deus só por despeito.

 

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Bendito nosso degredo,

nosso pecado e segredo.

Que o mais — somente Deus sabe.

 

Puseste Angicos na algibeira e, apesar do profundo e longo degredo, o Cabugi ressurge em tua varanda todas as manhãs. “O amor é bem mais que uma casa, /e mais universal do que a dor. /É ave que ao ninho estende a asa /e se fez o arcanjo protetor.”

E o sopro da brisa marinha em louvação de cantorias, Jarbas, traz tua amada à “rubra flor do teu lábio”.

 

As sangrias dos açudes recém-vindas

e o impenitente cheiro de aguapés.

Os bicos dos teus seios eram lindas

flores brotando findas e fiéis.

Águas correndo riacho, entre teus dedos,

purificavam culpas e segredos.

 

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Pobres, são ricos os poetas

com a rara intuição dos diamantes

sinalizam o território da Esperança

no amanhã que a cada dia nasce.

          Trago comigo um caderno no qual registrei poemas teus, Jarbas, como se quanto mais os transcrevesse melhor poeta me faria. “A Musa trouxe em seus braços /um buquê do paraíso /e nos lábios um sorriso /pintado em sublimes traços.” Qual labor, vã esperança, que me conduziria ao teu estro? Não há escola de versejadores nesse território de embusteiros? Onde estariam os grandes mestres de outrora que sopravam em nossos ouvidos toscos a chama de Prometeu? Vem, Martins, e abre “clareiras na relva da miséria”!

 

Raros, são tristes os poetas.

Com a voz de flâmulas esfarrapadas

indagam flâmulos do vento

a missão do homem pelas estradas.

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Uma lua de agosto

com seu manto rendado

nunca

nunca o protegerá.

 

Pouco importa a previdente marcha do mundo, o poeta prefere o clarão da lua; num agosto sem teto, mas de estrelas rendilhado. Nesse teto sem telhas, ele sobrevive a recobrir o mundo com rimas-archotes: “Um fio que se tece em solidão, /quintais de meus sertões do nunca mais.” E o futuro então se anuncia, menos afeito ao despautério do Mal.

 

Sempre fiz dos meus sábados um sonho.

Meus livros todos numa cabeceira

se estendiam aonde meus amores ponho

tecidos pelas tranças leves de uma esteira.

 

Sentado na cadeira de vime, tendo Vinicius (“O teu casto poeta verdadeiro”) ao colo, Jarbas solfeja: “Com as chamas e a paz da inquietude /em busca da razão de existir, /à espera de tudo que há por vir”.

 

Havia um cortejo só de estrelas,

Bilac e um verso pálido demais.

 

Teu poema, Jarbas, “no céu de minha boca enunciado”, outorga-me o prêmio de celerado, brincando de ser poeta, quando, em verdade em verdade, sou deveras poetastro de versos de pé quebrado.

No poema “Segunda-feira da eternidade”, eu me amparo: “Que dizia ser eu anglicano. /E pra não dizer mais besteira /me calo. Não quero entrar pelo cano.”.

 

Fonte: Terceiro canto, de Jarbas Martins (Natal: Offset Editora, 2023).

 

*Clauder Arcanjo é escritor e editor, membro da Academia Norte-rio-grandense de Letras.

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