PÍLULAS PARA O SILÊNCIO (PARTE CCCXLVIII)

 

Clauder Arcanjo*

 

(Pintura “Terpsícore”, de Jean-Marc Nattier)

 

eu não tenho palavras, exceto duas

ou três que me acompanham desde sempre

desde que me desentendo por gente,

nas priscas eras em que era eu mesmo.

agora sou uma espécie de arremedo,

despido das minhas divinaturas.

(Geraldo Carneiro, em “bazar de espantos”)

 

Sentou-se diante do tempo e propagou:

— Quando as ilusões se forem, será a minha hora de partir.

 

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Trabalhou naquela seção, mas nunca, em sessão nenhuma, foi de aceitar a cessão dos seus parcos direitos.

 

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Quis ser Imperador da rua: abdicou da infância.

Quando se autoproclamou o César da província, usurpou da própria sorte e o exílio fez-se-lhe eterna morada.

Hoje, ao retornar, viu-se diante dos seus verdadeiros despojos: nada.

 

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Esperou a chuva para a dança da fartura, mas as nuvens secaram no horizonte.

Ao desistir do embate da vida, percebeu a florada inesperada no colo de um sonho incomum. Fiat vitae!

 

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Não há dobre digno em campanário sem fé.

 

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— O silêncio desta tarde recende a fim.

— Então, levanta-te, esbraveja, escava ao menos um grito.

 

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Todo poeta ousa a busca da palavra inaudita, dedicada a uma musa ainda não reconhecida, disposta exangue após uma batalha digna, apesar de mil vezes perdida.

 

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Se fui Orfeu, saibas, é porque Prometeu alumiou meus passos de afoito Odisseu.

 

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Cuidado, Poeta, a Consagração há de naufragá-lo no oceano ágrafo.

 

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Rompe o silêncio quem ousa se divorciar do pacto sinistro dos omissos.

 

os deuses tecem mantos de tristeza

para que não nos falte o que cantar.

(Geraldo Carneiro, em “odisseia”)

 

Fonte: trechos em itálico extraídos da obra Poemas reunidos, de Geraldo Carneiro (Rio de Janeiro: Nova Fronteira : Fundação Biblioteca Nacional, 2010).

 

*Clauder Arcanjo é escritor e editor, membro da Academia Norte-rio-grandense de Letras.

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