PÍLULAS PARA O SILÊNCIO (PARTE CCCXLVII)

                                                                                               Clauder Arcanjo*

 

(Obra de Mestre Vitalino)

 

Meu poema

é um tumulto, um alarido:

basta apurar o ouvido.

(Ferreira Gullar, em “Muitas vozes”)

 

Marquês de Sola adorava os odores que a courama exalava.

— Tudo que tenho e que conquistei traz em si este cheiro maravilhoso!

Para ser velado, colocaram-no em um caixão forrado de couro cru, sem falar no gibão que lhe serviu de mortalha.

 

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Anônimo que se preza enfia-se nas vestes do inominado para melhor ser valorizado.

 

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Naquele mundo de utilitaristas, toda a pobreza seria execrada e castigada pelos homens da lei.

 

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Quanto mais subia, Perinaldo Varela mais sentia saudade dos tempos de várzea: café preto, bolacha fogosa e a companhia fiel dos seus bichos.

Hoje, recolhido na sua mansão, Varela corre a vista pelas baixelas de prata e colhe a imagem de desolação ao seu redor: café com creme, biscoito importado e a companhia cerimoniosa dos serviçais.

 

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Latiu a noite inteira incomodado com o silêncio na casa-grande.

Ao amanhecer, ganiu pungente com a saída do féretro.

 

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— Quando chegarás ao Céu? — perguntou Severino Dimas.

— E por que isso tanto te interessa? — indagou Francisco Bueno.

— Quero estar junto a ti, quem sabe não pego uma carona!

 

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Talento de estrangeiro em terra de xenófobos é tido como fraude ou como acinte.

 

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Sabia tanto acerca do resultado do seu julgamento no dia seguinte que não rezou na noite anterior, envergonhado da tal lisura da justiça dos homens.

 

  houve

       (há)

um enorme silêncio

anterior ao nascimento das estrelas

(Ferreira Gullar, em “Infinito silêncio”)

 

Fonte: trechos em itálico extraídos da obra Ferreira Gullar: melhores poemas; direção de Edla van Steen; seleção e apresentação de Augusto Sérgio Bastos (São Paulo: Global, 2012).

 

*Clauder Arcanjo é escritor e editor, membro da Academia Norte-rio-grandense de Letras.

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