PÍLULAS PARA O SILÊNCIO (PARTE CCCXLV)

 

Clauder Arcanjo*

 

(Pintura “Autorretrato com a orelha cortada”, de Vincent Van Gogh)

 

O simples fato de tentar entender como todos nos comportamos já é um dom que consola e protege; mas, se ainda por cima você conseguir escrever algo com isso, se puder transformar a dor em algo criativo, então experimenta a sensação de ser invulnerável.

(Rosa Montero)

 

Ao concluir o teste de nível de abstração, o psiquiatra Freudito Lacânio comunicou-lhe:

— Se o resultado fosse um pouco mais baixo, diria que você, Acácio, é um homem ridículo. Um pouco mais acima, sem titubeio, eu o encaminharia para um hospício. No entanto, folgo em avisá-lo, há em você a abstração necessária e suficiente para o mundo das letras.

 

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Sentou-se ao canto e resolveu conversar consigo. Foi um reencontro tão profundo que os dois resolveram romper de vez com aquela indigesta amizade.

 

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Se sonhava com flores, compunha um texto com as tintas da tragédia. Se o pesadelo era imerso em sangue, o romantismo preponderava em cada máxima na manhã seguinte. Na noite em que revisitava passagens vividas por ele mesmo, decidia não escrever nada: sabia que só sairia de sua pena uma prosa inodora e insípida.

 

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Quando lia a biografia de um suicida, Virgínio Bishopo armava sua rede de dormir bem baixa. Ao passar os olhos pelas cartas de um artista que enlouquecera — ah, pobre homem! — Virgínio corria para os braços da Santa Igreja e confessava-se, rogando aos céus a paz de espírito.

 

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Soube-se recuperado da moléstia da alma quando rabiscou os seus primeiros versos. A Poesia foi a sua cura.

 

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— Quem de nós permanece ainda lúcido? — perguntou o artista maior.

Todos silenciaram, e o mestre encerrou a aula magna deveras satisfeito.

 

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O homem não é aquilo que pensa, mas sim o que inventa.

 

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Quando a Arte ganhar o mundo, a loucura voltará para a bastilha da mente, prisão da qual nunca deveria ter saído.

 

Sentir-se louco é sentir que de algum modo você já não pertence à espécie humana.

(Rosa Montero)

 

Fonte: trechos em itálico extraídos do livro O perigo de estar lúcida, de Rosa Montero; tradução de Mariana Sanchez (São Paulo: Todavia, 2023).

 

*Clauder Arcanjo é escritor e editor, membro da Academia Norte-rio-grandense de Letras.

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