PÍLULAS PARA O SILÊNCIO (PARTE CCCXLIV)

Pílulas para o Silêncio

(Parte CCCXLIV)

 

                                                                                                            Clauder Arcanjo*

 

(Pintura “A serviçal adormecida”, de Johannes Vermeer)

 

Que brilho há nas folhas,

nas sombreadas folhas,

lágrimas que se debulham

e brilham, brilham nas folhas?

(Elizabeth Bishop, em “Canções para uma cantora negra”)

 

Poesia é o silêncio do sangue das palavras, somente captado por quem traduz o indecifrável mistério da vida.

 

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O que eu sabia para amanhã ficou ontem para ser entendido hoje. No entanto, preso a este instante incomum, concluo: agora nada mais sei.

 

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Se mar revolto forma melhores marinheiros, a tentativa do soneto aguça a verve do poeta sem estro.

 

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Na prática, a teoria suporta. Com o tempo, a experiência decifra. Na noite, a saudade — ah, saudade! — mais se aguça.

 

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Se escutares durante o dia todo lugares-comuns, nunca te iludas: não brotará de ti, ao cair da noite, um botão sequer de frases preciosas.

 

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— Que enterro bonito! — exclamou o Salustino Carraspana ao retornar do cemitério.

— Homem, não diga isso!

— Digo. Digo e repito! — E explicou: — Não faltou cachaça; em vez de música triste, o forró correu solto. E a viúva cantava, mais animada do que qualquer um de nós. Enfim, minha filha, o compadre Chico Papudo vai chegar no Céu feliz.

 

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Rainha sem trono é tão respeitada quanto intelectual sem obra.

 

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Quando ouviu o canto da nova manhã, os compromissos não o deixaram mais ficar. Seguiu.

À tarde, num momento inesperado, colheu a cor de uma nuvem distante cortada pelas lâminas do sol se pondo, mas a vida e sua pressa tangeram-no para a agenda seguinte.

Ao retornar à casa, antes de recolher-se, rezou a fim de que, ao amanhecer, o mundo lhe desse uma pequena trégua para a colheita do inusitado. Um sonho estranho não o deixou dormir.

 

       A topografia não conhece favoritos; tão perto o Norte quanto o Oeste.

       Mais delicadas que a dos historiadores são as cores dos cartógrafos.

(Elizabeth Bishop, em “O mapa”)

 

Fonte: versos em itálico extraídos do livro Poemas, de Elizabeth Bishop; seleção, tradução e introdução de Horácio Costa (São Paulo: Companhia das Letras, 1990).

 

*Clauder Arcanjo é escritor e editor, membro da Academia Norte-rio-grandense de Letras.

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