PÍLULAS PARA O SILÊNCIO (PARTE CCCXLIII)

Clauder Arcanjo*

(Pintura “Ló e suas filhas”, de Artemisia Gentileschi)

 

O amor é areia bebida por lábios secos.

O ódio, um jarro salgado oferecido ao sedento.

(Czesław Miłosz, em “Hino”)

 

— Há papel demais sobre a mesa, e Poesia de menos sobre os ombros dos Homens! — ressalta Raimundo Bilac, último parnasiano de Licânia.

 

 

No balanço da rede armada no alpendre, Policarpo Severo mastiga as mágoas do dia. No curral, indiferentes, as vacas ruminam ao cair da tarde.

 

 

Se grito gerasse força e deslocamento, a Física precisaria repensar o trabalho, assim como as suas leis.

 

 

Enquanto a caravana passa, eu a observo e, ao final, de certa forma passo também.

 

 

Escutava diariamente o canto das aves, porque lhe disseram que faria brotar nele a semente da rima.

Os anos transcorreram, e ele ainda continua no campo, cada vez mais mudo por entre o passaredo.

 

— Olhai os lírios do campo! — gritava Salomão Chibata entre os becos e vielas de Licânia, nu como veio ao mundo.

O velho pároco Araquento foi o primeiro que propôs ao senhor prefeito recolhê-lo ao hospício.

— Não me faça de Cristo!

 

 

Rezava como um pecador, enquanto pecava como um excomungado.

Quando entrou na Matriz de Sant’Anna para a sua primeira confissão, Licânia parou, mas não olhou naquela direção.

 

 

Ouvido de confidente é penico dos mal resolvidos.

 

Palavra nenhuma basta para a beleza.

(Czesław Miłosz, em “O que eu escrevia”)

 

Fonte: versos em itálico extraídos do livro Para isso fui chamado: poemas, de Czesław Miłosz (São Paulo: Companhia das Letras, 2023).

 

*Clauder Arcanjo é escritor e editor, membro da Academia Norte-rio-grandense de Letras.

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