PÍLULAS PARA O SILÊNCIO (PARTE CCCXIX)
Clauder Arcanjo*

O tempo. O tempo me sobra demais ou me falta. Uma branca eternidade de horas atadas. Uma braçada de horas iguais e inúteis. Ou esta pausa indefinida de quem espera o beijo de um anjo. Ou a campainha de um telefone.
Acácio se desarmou. Ele sempre capitula diante de um poema ou de uma prosa poética. Antevi a sua rendição pela comissura dos lábios, num quê de trêmula emoção, e na lágrima contida pelos grandes cílios negros. Deixei o silêncio se interpor entre nós e abri a janela. Lá fora um bem-te-vi cantava no galho de um benjamim. Tal cena me emocionou, pois tive a vívida impressão de que já a vivemos antes. Voltei-me em direção a Acácio e percebi a companhia de Nabuco aos seus pés. Num miado dorido, expressando-lhe uma solidariedade inesperada: — Shifzz… miau, miauuuu! — Não tive tal intenção, amigo bichano — defendi-me. Nabuco arrepiou seu longo rabo, demonstrando que cerrava fileiras junto a Acácio. Calamo-nos, esperando que a noite caísse. Em seguida, fomos para a calçada e deixamos o luar, com sua beleza tristonha, ser o pacificador daquelas nossas pífias querelas. — Sabe, Companheiro Acácio, nunca tive arroubos de arcanjo — rendi-me. Junto a nós, Nabuco miou satisfeito. Melhor diria: satisfeitíssimo. *Clauder Arcanjo é escritor e editor, membro da Academia Norte-rio-grandense de Letras.