PÍLULAS PARA O SILÊNCIO (PARTE CCCXIII)

Clauder Arcanjo*

(Pintura “Cristo carregando a cruz”, de Giovanni Bellini)

 

Somente das alturas do infinito bom humor é que você pode observar abaixo de si a eterna tolice dos homens e rir dela.

(Milan Kundera, em A festa da insignificância)

 

Preciso da tua serenidade nesta noite lúgubre de demasiados gritos, desacatos e catastróficas previsões.

Necessitarei da tua voz amanhã, quando, extenuado de tudo, eu não tiver mais argumentos para reagir a tantos absurdos.

 

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Havia, se lembro bem, duas verdades penduradas no varal daquela tarde estranha. Ele chegou e escolheu a mais amparada em teses fundadas por outros, mas tu chegaste e, sem pestanejar, retirou a que restara, tão fresca e novidadeira, que a ciência com toda a certeza a rejeitaria.

 

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As orações mais impactantes e poderosas são as ofertadas, e fiadas, pela voz do silêncio.

 

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Cordura de fingidor é véspera de futuras unhadas pelas costas.

 

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Se toda alcova falasse, profetizava aquele banido réprobo, muitos casais julgados exemplares pela sociedade disputariam as posições primeiras em um possível certame da devassidão.

 

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Talvez houvesse esperança na bagagem de Dalcides, mas ele nunca crera nisso.

Quiçá sobrasse fé no alforje de Suplício, porém jamais esperara por isso.

Entre esperança e fé, Tomás acredita e aguarda alguma pequena sobra disso.

 

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Lento e altivo, caminhei na manhã passada. Encontrei na esquina, sob uma chuva fina, um mendigo a tiritar de frio sobre a calçada. Fingi não o ver quando me estendeu a mão a me pedir ajuda.

Ao retornar para casa, abatido, uma frialdade nos ossos cobrava o preço da minha omissão.

 

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Intrigou-se com a filosofia, pois não tinha coragem de se ver surpreendido com o esgarçar das suas boutades.

 

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Levino Altino só aprendeu a entender de si no exato momento em que conseguiu rir dele próprio.

 

*Clauder Arcanjo é escritor e editor, membro da Academia Norte-rio-grandense de Letras.

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