PÍLULAS PARA O SILÊNCIO (PARTE CCCXI)

 

Clauder Arcanjo*

(Autorretrato com 23 anos, de Rembrandt)

 

Irei beber a luz e o amanhecer,

Irei beber a voz dessa promessa

Que às vezes como um voo me atravessa,

E nela cumprirei todo o meu ser.

(Sophia de Mello Breyner Andresen, em “As fontes”)

 

Na vida, o álcool não me atraiu: eu pouco o provei. Restou então beber a luz do amanhecer; colhendo a esperança na flor do dia novo; correr pelas sobras das sombras na estrada da vida e sonhar com a promessa contida em cada brilho ofertado.

 

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Quando ouvi aquela voz, pressenti, não me pergunte o porquê, o sentimento do medo a percorrer meu sangue.

 

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Atravessar rio raso faz do destemido um celerado. Cedo, cedo ele fenecerá ao tentar, afoito, superar uma corrente furiosa.

 

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Não cumpras as promessas que te tornarão escravo dos teus devedores.

 

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Sê agitado, quando os que te cercam julguem-te calmo; sereno, quando te tomarem por arrojado; decidido, ao te esperarem partidário da omissão. Enfim, surpreender te tornará sempre suspeito. Inclusive de uma ação sublime, sem motivo aparente.

 

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Tábua de salvação lisa é pior do que mar aberto; pelo menos este não nos mata por engano.

 

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Leu Machado com o espírito refém do Purgatório de Dante. E foi a Shakespeare com um trejeito de corpo de Sade. No fim, sentou-se para ler e reler o Eclesiastes. Tudo por vaidade.

 

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Na saída, pensou que, se voltasse ao início, faria outra caminhada. No entanto já era tarde, muito tarde.

 

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Há cinco vogais e vinte vinte e uma consoantes, mas isso basta para os maus-tratos à última flor do Lácio.

 

*Clauder Arcanjo é escritor e editor, membro da Academia Norte-rio-grandense de Letras.

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