PÍLULAS PARA O SILÊNCIO (PARTE CCCVIII)

Clauder Arcanjo

 

 

(Quadro “Os trapaceiros”, de Caravaggio)

Da Perfeição segui em vã conquista,
Mas vi depressa, já sem a alma acesa,
Que a própria ideia em nós dessa beleza
Um infinito de nós mesmos dista.
(Fernando Pessoa)
Sobre o telhado do casebre uma linda flor resplandecia. Suas pétalas brilhavam mais do que o Sol, e eu, cativo de tamanha beleza, colhi-a com desejo. Vã conquista, pois, coitada, murchou depressa em minhas mãos malsãs.
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Todo o calor que aquece a minha criação origina-se de um vulcão dentro de mim.
Se ele entra em erupção, pressinto, na dor da sua intensa queima, o brilho sublime da luz: palavra-vida, lava da inspiração.
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Em terra de sapo, toda cobra é tida como bicho do cão.
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Ontem não sonhei com nada. Apenas descansei profundamente, dentro de um raro vazio, refúgio de mim.
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Nunca ofereças abrigo a quem sonha com a tua desgraça.
Nossa miséria é que raramente conseguimos tal identificação antes que ocorra nossa desdita.
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Cantava em ré menor enquanto sofríamos em dó maior.
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Cavalheiro que muito fala é como fruto de pouco sumo. Tem que brilhar para convencer a quem o cerca de possível essência naquilo que, em verdade em verdade, trata-se de mero esbulho.
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De tanto ser leitor apenas das orelhas dos livros clássicos, fez-se reconhecido na província como um talentoso intelectual orelhudo.
*Clauder Arcanjo é escritor e editor, membro da Academia Norte-rio-grandense de Letras.

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