Pe. Fco. Cornélio Rodrigues – Reflexão para o VI Domingo da Páscoa

Neste sexto domingo da páscoa continuamos a leitura do capítulo 15 do Evangelho segundo João, iniciada no domingo passado. A liturgia de hoje propõe os versículos de 9 a 17, os quais podem ser considerados como a explicação e aplicação da alegoria da videira, usada por Jesus nos versículos de 1 a 8, como lemos no último domingo.

É sempre oportuno recordar que esse capítulo 15, fazendo parte do chamado “Testamento de Jesus”, assume uma centralidade ímpar para a vida dos cristãos e cristãs de todos os tempos. Se trata de um ensinamento essencial para a comunidade permanecer fiel aos propósitos de Jesus, não obstante as dificuldades e, ao mesmo tempo, para fazer retornar à essência da fé, quando por ventura se distanciar. É uma resposta para situações de crise, principalmente, quando a identidade cristã estiver ameaçada, seja por fatores externos (perseguição), ou internos (autoritarismo, centralização, divisão, falta de unidade e de amor).

Com a imagem da videira e seus ramos, Jesus exortou simbolicamente os discípulos a permanecerem unidos a ele; agora, ele deixa a linguagem simbólica de lado, e fala claramente que a maneira ideal e única para alguém unir-se a ele é permanecendo no seu amor: “Como meu Pai me amou, assim também eu vos amei. Permanecei no meu amor” (v. 9). Esse não é um ensinamento teórico ou abstrato, mas se trata de algo concreto e real, pois ele mesmo deu o exemplo, amando-os primeiro com um amor inconfundível, igual ao do Pai por eleO parâmetro do amor, o exemplo a ser seguido na comunidade não pode ser outro senão o próprio Cristo, e a comunidade só é autenticamente cristã quando nela são vividas relações de amor tão intensas quando as de Jesus com o Pai.

É indiscutível que o discípulo se torna “ramo unido à videira” permanecendo no amor de Jesus. Mas esse amor, para ser verdadeiro, precisa ser manifestado concretamente, como ele mesmo explica: “Se guardardes os meus mandamentos, permaneceis no meu amor, assim como eu guardei os mandamentos do meu Pai e permaneço no seu amor” (v. 10). Os mandamentos (em grego: ta.j evntola,j– tás entolás) aos quais Jesus se refere aqui não são normas nem preceitos, mas é todo o conjunto da sua mensagem e da sua práxis, o que pode ser resumido pela prática do amor, como ele mesmo faz (cf. v. 12), mas é sempre oportuno recordar como ele praticou esse amor: lavando os pés, perdoando, acolhendo, defendendo os humildes e excluídos, curando feridas, e não julgando nem condenando. Foi com essas atitudes que ele guardou os mandamentos do Pai, ou seja, fez a sua vontade, e é assim que a comunidade dos seus seguidores e seguidoras também deve fazer.

O amor vivido e praticado reciprocamente na comunidade tem como primeiro fruto a alegria: “Eu vos disse isso para que a minha alegria esteja em vós e a vossa alegria seja plena”(v. 11). Não se trata de um simples estado de exaltação emotiva, e sim da expressão de quem encontrou o verdadeiro sentido da vida; e o sentido da vida que Jesus experimentou pessoalmente e propõem aos seus seguidores e seguidoras consiste exatamente na capacidade de entregá-la por amor, porque nem a morte é capaz de destruir uma vida assim. Por isso, na comunidade onde se vive realmente o amor de Jesus, a alegria está presente porque essa atesta a convicção de que o amor do Ressuscitado está sendo vivido.

De mandamentos, Jesus passa a falar de um único mandamento: “Este é o meu mandamento: amai-vos uns aos outros, assim como eu vos amei” (v. 12). Aqui está a grande síntese de todo o seu ensinamento e, ao mesmo tempo, a responsabilidade da comunidade: essa não tem outro critério para afirmar sua pertença a Jesus a não ser o amor praticado reciprocamente entre os cristãos e cristãs. Por isso, na conclusão ele irá repetir novamente esse imperativo do amor (cf. v. 17). E esse amor deve ser incondicional e ilimitado, pois tem como parâmetro o amor de Jesus, e esse, por sua vez, é igual ao amor do Pai. É importante ainda perceber que Jesus já nem pede que os discípulos lhe amem, até porque o amor do Pai lhe basta, mas pede que se amem entre si, formando, de fato, uma comunidade de amor. Ele insiste em colocar-se como parâmetro: o amor só vale se for como o seu, ou seja, incondicional e intenso, capaz de dar a vida.

Como parâmetro único de amor para a sua comunidade, Jesus diz o porquê: “Ninguém tem amor maior do que aquele que dá sua vida pelos amigos”(v. 13), e ele foi capaz disso, por isso fala com autoridade e propriedade. Além de enfatizar o caráter insuperável do seu amor, aqui ele acrescenta uma novidade, mostrando que na sua comunidade, se o amor for realmente levado a sério, as relações serão de amizade: “Vós sois meus amigos, se fizerdes o que eu vos mando”(v. 14). Amigoé uma pessoa cara, dileta, especial, amada gratuitamente, em uma relação de igualdade. Ser amigo de Jesus é fazer o que ele manda, e o que ele manda é apenas amar como ele amou. Portanto, nenhum fardo é imposto, mas apenas uma condição: amar à sua maneira.

A igualdade, por sinal, deve ser também um traço característico da comunidade, uma vez que seus membros não são súditos, mas amigos: “Já não vos chamo servos, pois o servo não sabe o que faz o seu senhor. Eu vos chamo amigos, porque vos dei a conhecer tudo o que ouvi de meu Pai”(v. 15). Essa é uma das declarações mais revolucionárias de Jesus em todo o Evangelho. Sua comunidade não é um grupo com dominador e dominados, patrão e servos, mas um grupo de amigos, pessoas que estão juntas em pé de igualdade. A amizade é atestada pela gratuidade e transparência nas relações. O gesto do lava-pés (cf. Jo 13,1-15) já tinha antecipado essa declaração na prática; aqui ele explica o gesto com clareza. Mais uma vez, Jesus reproduz entre os discípulos a sua experiência com o Pai, mostrando que, realmente, é o Pai a fonte originária de tudo o que a comunidade deve viver.

Enquanto o Deus da religião oficial era um soberano distante, juiz, vigilante e vingativo, Jesus interage diretamente com a sua comunidade como um dos membros, por vontade própria. O evangelista resgata essa dimensão porque percebia que, aos poucos, o modelo de comunidade proposto por Jesus estava perdendo espaço para uma estrutura parecida com aquilo que Jesus mais tinha combatido: com divisões, rivalidades, ritualismos e centralização. Na comunidade cristã, marcada por amor e igualdade, devem imperar a confiança, a transparência e a solidariedade.

Em se tratando de um discurso de despedida, não podem falta palavras de envio; porém, a missão no Quarto Evangelho tem como destinatária primeira a própria comunidade. Antes de atravessar qualquer fronteira, o amor deve estar bem enraizado na comunidade. Por isso, Jesus envia, reforçando que é sua a iniciativa do chamado: “Não fostes vós que me escolheste, mas fui eu que vos escolhi e vos designei para irdes e para produzirdes frutos e o vosso fruto permaneça. O que então pedirdes ao meu Pai em meu nome, ele vo-lo concederá”(v. 16). Como amigos, os discípulos são escolhidos por ele e designados para produzir frutos perenes de amor e justiça. Assim como já tinha deixado claro na alegoria da videira, a comunidade de discípulos e discípulas só produz frutos se permanecer unida a ele, amando como ele amou. Ele envia, mas não confere nenhuma fórmula ou doutrina para ser ensinada. O objetivo da missão é apenas produzir frutos permanentes de amor.

A permanência do discípulo em Jesus, semelhante à do ramo à videira, garante a sintonia entre ambos, a ponto de a vontade de um ser confirmada pelo outro; essa sintonia só pode ser atestada pelos frutos produzidos. De fato, a produção dos frutos é a confirmação da unidade e, portanto, de que o amor está sendo vivenciado. Isso tudo gera confiança no Pai. Porém, não se trata de uma confiança mágica e ingênua, mas de uma afinidade de sentimentos e projetos. O discípulo e discípula que ama, vive com Jesus uma relação de tamanha transparência, semelhante àquela entre Jesus e o Pai: “Eu e o Pai somos um”(Jo 10,30). Assim, o discípulo que vive o amor e o faz frutificar passa a gozar perante o Pai da mesma afinidade de Jesus. Portanto, tudo o que o Pai faz por Jesus, fará também por aqueles que Jesus escolheu: seus discípulos e discípulas de todos os tempos.

Concluindo, Jesus recorda que, para que tudo isso aconteça, há uma condição indispensável: “Isto é o que vos ordeno: amai-vos uns aos outros”(v. 17). Esse imperativo “amai-vos uns aos outros” é uma espécie de refrão no Evangelho de hoje, e o deve ser na vida de todos os cristãos e cristãs. Nada pode substituir o amor entre os seguidores e seguidoras de Jesus. De fato, pode faltar tudo numa comunidade cristã, menos o amor entre os seus membros. É esse amor que atesta se a comunidade é realmente cristã, ou seja, se está unida a Jesus.

 

Pe. Francisco Cornelio Freire Rodrigues – Diocese de Mossoró-RN