OPINIÃO: “EXCESSOS PRATICADOS DEPOIS DO 8 DE JANEIRO”

 

Ney Lopes

Para quem acredita no Direito como único meio de sanar injustiças, embora não seja um sistema perfeito, observa-se no Brasil a destruição de um conceito fundamental na preservação dos direitos e garantias individuais.

Trata-se do princípio da competência do juiz, que é o poder conferido ao magistrado para julgar processos, de acordo com a matéria, a pessoa interessada ou a localidade;

Ou seja, o direito fundamental de ser julgado por um juiz, natural (cuja competência está prefixada em lei anterior ao fato criminoso), imparcial e no prazo razoável.

Exemplificando: tramitam dois inquéritos do STF (4.781/DF e 4.874/DF.

O primeiro foi destinado a “investigar a existência de notícias falsas, denunciações caluniosas, ameaças e roubos de publicação sem os devidos direitos autorais, infrações que podem configurar calúnia, difamação e injúria contra os membros da Suprema Corte e seus familiares”,[

O segundo, para investigar atuação de milícias digitais contra o Estado Democrático de Direito.

Entretanto, esses inquéritos estão sendo usados fora da competência que lhes foi atribuída.

Foram utilizados agora para remover da internet conteúdo sobre projeto de lei em tramitação no Congresso e para investigar falsificação de cartão de vacinação do ex-presidente Jair Bolsonaro e decretar prisões até de minstro de Estado, sem culpa formada..

Todo inquérito tem prazo para terminar e um objeto certo e determinando de investigação

Nenhum juiz pode ter uma “competência universal’, ou seja, ampliar o seu poder julgador, sem que haja permissão de lei.

Veja-se o caso da Lava Jato, que envolveu o presidente Lula. O então juiz Sérgio Moro transformou a sua competência em “juízo universal de combate à corrupção

Sob pretexto de combater a impunidade, burlou-se o princípio do juiz natural, que “é importante garantia de imparcialidade”.

Não se justifica dizer, que tudo é permitido na defesa do Estado.

Tal raciocínio adota a conclusão de Maquiavel, a quem razões de Estado justificariam qualquer conduta, ou seja, os fins justificam os meios e, consequentemente, tudo é permitido.

A imparcialidade do juiz é fundamental ao devido processo legal.

Atualmente, o país assiste lesões sucessivas em desfavor dos direitos e garantias individuais.

Isso porque, o ministro Alexandre Moraes isoladamente está exercendo competência universal, sob o pretexto de defesa da democracia.

O que era para investigar “fake News” contra o Supremo está sendo usado para apurar  casos de vacinação da Covid e incorreções em textos de projetos de lei tramitando no Congresso.

Serviu até para afastar governador, quando a competência é clara do STJ.

Em tais circunstancias, o STF tem o dever de respeitar a lei e sua jurisprudência.

O curioso é que a investigação citada não tem o apoio do Ministério Público, órgão que requereu o arquivamento dos autos mais de uma vez, a primeira delas em abril de 2019.

Fica a dúvida sobre a utilidade de inquérito que, ao final, poderá ser arquivado pelo Ministério Público Federal, ou seja, sem fundamento jurídico sólido.

Não se justifica, que por “companheirismo” a Corte acolha todos os procedimentos usados pelo ministro Alexandre de Moraes.

Por mais bem-intencionado que seja esse magistrado, pode-se admitir que exorbite de suas funções, com o aval do STF.

A operação da Polícia Federal montada para investigar o 8 de janeiro, confunde-se com inquéritos de fake News e outras matérias

Já foram apresentadas denúncias contra centenas de pessoas, embora petições iniciais não contenham descrições pormenorizadas das condutas de cada um dos acusados, ferindo o princípio da individualização da pena…

Um ex-ministro da Justiça, ainda em fase de investigação da sua conduta, sofrendo notoriamente problemas de saúde, não tem o direito sequer de ir para um hospital da sua escolha.

É bom lembrar que o preso tem assegurado pela Constituição Federal o respeito à integridade física e moral, e não poderá ser submetido a tortura nem a tratamento desumano ou degradante (Art. 5º, III e XLIX da CF).

Constatam-se ainda limitações de acesso a elementos dos autos, restrição ao uso da palavra nos tribunais, denúncias genéricas têm se repetido e não há sinais de quando vai parar.

As investigações ampliaram-se para crimes terrorismo; associação criminosa; abolição violenta do Estado Democrático de Direito; golpe de Estado; ameaça; perseguição; e incitação ao crime…

Verdadeira miscelânea.

O Estado de Direito, que vem do século 18, foi criado contra o absolutismo monárquico, que era o símbolo da concentração de poder.

“Então, a lógica do Estado de Direito é dividir poder, evitar que uma autoridade só, por mais poderosa que ela seja, decida sobre tudo. Porque se essa autoridade falhar, e é previsível que ela vá falhar, ninguém mais tem proteção em lugar nenhum” afirma o professor de Direito Processual Penal da Universidade Federal Fluminense (UFF) João Pedro Pádua.

Todas essas exorbitancias são absolutamente incompatíveis, com a Constituição brasileira e a democracia.

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