Obstetriz critica lei que permite opção por cesárea sem indicação clínica em SP

A permissão para que parturientes usuárias da rede pública de saúde no estado de São Paulo possam escolher o parto via cesariana a partir da 39ª semana de gestação, mesmo sem indicação clínica, preocupa profissionais que atuam na área.

A opção nessas circunstâncias tornou-se possível a partir de um projeto de lei sancionado na última sexta-feira (23) pelo governador João Dória (PSDB). A proposta é de autoria da deputada estadual Janaína Paschoal (PSL).

O texto foi aprovado na Assembleia Legislativa de São Paulo (Alesp) e sancionado pelo governador mesmo diante de manifestações contrárias de órgãos como a Defensoria Pública e o Conselho Regional de Enfermagem do estado (Coren-SP).

Em entrevista ao Programa Brasil de Fato desta segunda-feira (26), a presidenta da Associação de Obstetrizes da Universidade de São Paulo (USP), a parteira Mayara Custódio, afirmou que “é um mito achar que poder fazer uma cirurgia ou se medicalizar é uma questão de autonomia”.

Ela ressaltou que, antes desta etapa de escolha pela cesariana ou parto normal, é necessário que a mulher tenha as ferramentas necessárias para tomar uma decisão consciente.

“Falando em gestação, a gente precisa se voltar para o pré-natal, como está sendo realizado, se elas estão recebendo informações, se têm ferramentas para escolher a via de parto e qual representa mais ou menos risco pra elas.”

O Brasil é o segundo país do mundo em taxa de cesáreas, atrás somente da República Dominicana, de acordo com estudo publicado em outubro do ano passado na revista Lancet. Em 2017, de acordo com dados preliminares do Ministério da Saúde, as cesáreas corresponderam a 55,7%, e os partos normais, 44,3%, considerando serviços públicos e privados.

O índice de procedimentos cirúrgicos está muito além dos recomendados pela Organização Mundial da Saúde (OMS), de até 15%.

Segundo Mayara Custódio, a realização de cesarianas sem indicação clínica vai na contramão dos esforços da OMS e do próprio Ministério da Saúde, além de elevar os riscos de complicações durante e após o parto.

“Alguns malefícios que a gente pode pensar é a taxa de hemorragia e infecção puerperal, sendo que a hemorragia é uma das principais causas de morte materna no país. Além disso, também pode prejudicar o vínculo entre a mãe e o bebê, que geralmente é priorizado no parto normal, com o clampeamento tardio do cordão umbilical, a realização de um contato de pele e a amamentação na primeira hora.”

Ela explica que “em uma cesariana é muito mais difícil que isso seja realizado, pois a descida do leite, por exemplo, costuma demorar um pouco mais, o que dificulta esse estabelecimento do vínculo entre mãe e bebê”.

Questionado sobre a legislação paulista, o Ministério da Saúde reforçou que “a cesárea com indicação e em condições ideais é um procedimento seguro, que deve estar acessível a toda mulher, quando há indicação.”