O Pintassilgo

Vanda Maria Jacinto*

Um dos seus objetivos, quando enveredou pelos caminhos da educação, era trabalhar com alfabetização de jovens e adultos. Ensejar o aprendizado daqueles que não tiveram, ou deixaram passar, as oportunidades do ensino regular sempre fora o seu maior desejo. No entanto, estava apenas começando como professora concursada do Estado. Não tinha como optar pela turma.
Mais um ano letivo iniciava. Recém-chegada na escola, tentava se ambientar. No final da semana de estudos que antecedia às aulas, cada professor recebeu a relação da sua turma. A sua era um quarto ano, no vespertino, cujos alunos eram fora de faixa. Percebeu, sem muito esforço, que as “melhores turmas” – ou seja, aquelas com os alunos dentro da faixa etária –, eram destinadas aos professores mais antigos na escola. Mas não se abalou, pois os desafios sempre foram bem enfrentados por ela. Sem contar que alguns dos seus alunos eram jovens adolescentes – fato que atenderia, mais ou menos, ao seu desejo primeiro – trabalhar com adultos. Alguém ainda insinuou que a sua turma deveria ficar com algum professor mais experiente, porém como ninguém deu atenção, acabou por ficar do mesmo jeito.
Passou o final de semana organizando a sua primeira aula na turma. Embora, com muitas ideias na cabeça, resolveu iniciar com uma dinâmica de apresentação.
Para a sua surpresa, os seus alunos, em sua maioria, já trabalhavam para ajudar no orçamento familiar. A atividade que deveria ser uma simples apresentação terminou por ocupar o horário todo antes do recreio, pois o atraso de um dos alunos – que justificou estar ajudando o pai a debulhar feijão para vender no dia seguinte – favoreceu a cada um discorrer sobre a sua atividade “profissional”.
No intervalo, os professores, conhecedores dos alunos trabalhosos, questionaram sobre o segredo de ela ter retido os alunos em classe, sem que perturbassem nas portas. Sem uma resposta precisa, ela sorriu e ficou sem saber o que responder.
A turma era, realmente, um tanto trabalhosa, mas nada que não pudesse mudar.
Pegando uma conversinha aqui e outra ali, ela foi dando conta do recado praticando a “interdisciplinaridade” muito antes da sua convenção.
Todo conhecimento era abordado de forma a se interligar com a vida de cada um. Assim, foi ganhando o carinho e a confiança de todos.
Com o afastamento, já no final do ano, da professora do ensino de artes por motivo de saúde e sem ter como ser substituída, ficou determinado que as aulas semanais seriam ministradas pela própria professora da turma. Resolveu, então, trabalhar o Natal nessas aulas. Além do conteúdo explicativo sobre essa grandiosa festa, foram confeccionados enfeites natalinos com a turma, com o objetivo de montar uma grande árvore de Natal, que seria sorteada entre eles.
Papai Noel de casca de ovo, anjinhos de capa de caderno, presentinhos de caixa de fósforos, estrela de papelão, laçarotes, espirais de cartolina, círculos de cartolina, no formato de bolas de Natal, com a foto de cada um deles… Enfim, foram muitas as ideias que surgiram com o passar dos dias.
A troca de presentes seria com os cartões de boas festas, confeccionados por eles mesmos.
No encerramento do ano, após a entrega dos resultados que, diga-se de passagem, foi melhor que o esperado, aconteceu a confraternização.
Tudo foi maravilhoso, com lanches e sucos, o sorteio da árvore; mas, a surpresa maior, veio do Davi, um dos seus alunos. Pediu para ir ao banheiro e, quando voltou, veio com uma gaiola e me deu de presente um pintassilgo. Ele vendia passarinhos lá na COBAL – um local de comercialização de alimentos e outras coisas. Nesse tempo, ainda era permitido.
Mais assustado que eu, ele – o passarinho – pulava sem parar…
Sempre fui contra a prisão dos pássaros, mas como não aceitar? Fiquei feliz, mas preocupada em como alimentar o bichinho. Na folia da turma, todos querendo ver de perto, ele recomendava:
– É só dar milopiste pra ele … Ele é muito cantadô!
Ela, sem entender direito o que era “milopiste”, só balançava a cabeça em sinal de entendimento.
Cuidou dele por muito tempo! De fato era cantador!
Milopiste? Sim, ela descobriu que era alpiste, comida específica para pássaros.
O pintassilgo encantou os seus dias por muito tempo.
O Davi?! Nunca mais o viu, nem tampouco o esqueceu.

*Vanda Maria Jacinto
Escritora, autora do livro Rabiscando os caminhos da prosa.
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