O dilema das armas de fogo e do desarmamento e o populismo penal
O novo massacre ocorrido nos EUA, em Orlando, traz à baila um assunto que, para o controle da violência homicida, é significativamente um dos mais importantes. Neste sentido, tratar de tema deveras polêmico suscita cuidado de quem o reporta. Mas, num momento histórico onde, até mesmo nos Estados Unidos, o controle de armas de fogo passa a ser visto como prioridade, o tema volta à discussão pública no Brasil. Aqui, do ponto de vista epidemiológico, as armas de fogo são o principal vetor da violência letal. Segundo um estudo realizado pelas Nações Unidas em 2011, o Brasil é, entre todos os países com informações disponíveis, aquele onde a proporção de homicídios cometidos com armas de fogo é maior: 88%.
As armas de fogo não são a causa primordial da violência, porém, fazem com que esta tenha um impacto letal muito superior. Em outros termos, a letalidade das armas de fogo é muito superior a de qualquer outro tipo de arma ou instrumento de agressão (armas brancas, contundentes etc.).
Elas parecem ser condição necessária, ainda que não suficiente, para o surgimento de altas taxas de violência letal, particularmente nos países desenvolvidos. Ao contrário do que diz a indústria, a grande maioria das armas confiscadas pela polícia no Brasil são de fabricação nacional. Mais da metade das mesmas corresponde às marcas Taurus e Rossi, ambas propriedade da mesma empresa.
A maioria dessas armas confiscadas, ao contrário da imagem popular difundida pela imprensa e favorecida pelos fabricantes, não são armas automáticas de grande poder de fogo. Praticamente duas de cada três são revólveres, embora nos últimos anos seu peso relativo esteja diminuindo, enquanto o das pistolas tem aumentado.
Esses circuitos de armas legais e ilegais estão interligados e as armas legais representam uma das formas de suprimento de armas para o cometimento de crimes, através de vários canais, como: revenda de armas legais; extravio dessas armas; furto ou roubo delas; pessoas que não compram a arma com um propósito criminoso, porém, acabam perdendo a cabeça e usando-as de forma ilegal.
Pesquisas na área mostram que não adianta muito delimitar com rigor o perfil das pessoas autorizadas a comprar ou transportar armas se, na verdade, elas são facilmente transferidas a terceiros sobre os quais não há nenhum controle ou requisito. Quando uma arma entra no mercado fica difícil garantir, apesar das restrições relativas aos legítimos proprietários, em que mãos ela acabará.
Enfim, a restrição ou eliminação do armamento em mãos da população civil não resolverá o problema da violência, porém, contribuirá para diminuir seu impacto letal. Além disso, a restrição das armas exclusivamente para os profissionais facilitará sua fiscalização, pois qualquer cidadão portador de uma arma que não seja um profissional da área da segurança poderá ser denunciado automaticamente por cometer um ato ilegal.
O problema envolve a discussão do pleno direito à defesa que os indivíduos possuem e que nosso Estado de Direito, ao menos principiologicamente, defende. Ao mesmo tempo em que uma sociedade armada leva ao aumento gradual da violência, seu pleno desarmamento se assemelha à lógicas autoritárias. Dilema cruel, principalmente com os dados de homicídios no Brasil.
Este problema deve ser enfrentado sem populismos, principalmente o penal, tão em voga.