O Colapso da Sensatez

Padre João Medeiros Filho

Ruína, fracasso, caos etc. são palavras dici,onarizadas como sinônimos de colapso. Este é um termo que assusta. Paulatinamente, ele vai invadindo o vocabulário da mídia e o cotidiano das pessoas. Assiste-se ao desmoronamento da sensatez de parte da população brasileira. Por vezes, apela-se para a ignorância e argumentos inconsistentes; usa-se de informações parciais, sofismas, frases distorcidas, fora do texto ou do contexto e vale-se de atitudes eivadas de dolo e má-fé. Além do perigo do declínio da economia, saúde e de instituições, propalado pela imprensa e nas redes sociais, está acontecendo a falta de bom senso diante dos problemas da atualidade.

O número das vítimas do Sars-Cov-2 impacta o público. Sabe-se que o vírus é real e devastador, apesar de invisível. Infelizmente, além do pavor que causa às pessoas, vem servindo de supedâneo político à obtenção inescrupulosa de dividendos eleitorais. Entretanto, há um desafio maior: vencer o radicalismo reinante, em que até uma pandemia (ou comoção social) é pretexto para desagregar. O egoísmo partidário tem prevalecido. “Triste nação, onde um partido e sua ideologia valem mais que o país e seu povo”, afirmou Dom Luciano Mendes de Almeida, outrora arcebispo de Mariana (MG). Mais tristes que os óbitos provocados pelo Covid-19 são as incontáveis mortes de caráter, os inúmeros falecimentos da integridade, do altruísmo e da probidade. Levanta-se a bandeira dos partidos e não a da pátria, como se a população fosse composta de objetos etiquetados de rótulos e siglas partidárias, e não de vidas humanas. Perdeu-se a conta de quantos embarcam nessa nau do abuso e desrespeito aos cidadãos. Ali, tudo é subterfúgio para projetos pessoais de poder. E são muitos os tripulantes dessa embarcação. Poucos se lembram das palavras do Mestre: “Vim não para ser servido, mas para servir” (Mt 20, 28) ou do axioma veterotestamentário: “vanitas vanitatum, omnia vanitas est” (Ecl 1, 2).

Incontestavelmente há inestimáveis perdas. Porém, sepultam-se também conhecimentos, experiências, planos e projetos patrióticos, a lucidez e a razão. Não faltam os profetas do agouro, arautos da confusão, do mal estar e da desagregação. Esta semana, uma veneranda senhora dissera-nos, ao telefone: “A coisa, padre, está como o diabo gosta”. E, infelizmente, ela está certa. O étimo diabo significa, em grego, aquele que separa. Procede a assertiva, pois há mais gente dividindo, confundindo do que unindo e aproximando. Não se ouvem discursos otimistas, proclamando a esperança e a paz, garantindo a existência de bons profissionais capacitados para atender a população, a quantidade de alimentos, água, medicamentos e leitos suficientes para suprir as necessidades. No entanto, há vaticínios e pregoeiros da eventual falência dos sistemas de saúde. Mas, os responsáveis escamoteiam a verdade e a realidade, pois acreditam que a saúde pública é um celeiro de votos. É oportuno lembrar um renomado médico potiguar: “Saúde pública não se improvisa, nem se enquadra na propaganda política”.

Na crise atual não falta quem se ache um deus ou enviado especial do céu. Não imagina, porém, que sua arrogância poderá ser destruída por um microscópico vírus forasteiro e invasor. Cristo é bem claro no Evangelho: “Acautelai-vos dos falsos profetas” (Mt 7, 15). E o salmista adverte: “Tem olhos, e não veem. Têm ouvidos, e não ouvem. Têm mãos, e não apalpam”. (Sl 115/113B, 6-7). Ignora-se a passagem bíblica, na qual o Senhor proclama: “Ouvi o clamor de meu povo” (Ex 3, 7). Há quem imagine que os hospitais de campanha trazem a solução, mesmo que seja transitória. Se a inviabilidade ronda tradicionais serviços públicos de saúde, planejados e com investimentos ao longo de anos, quanto mais os nosocômios improvisados! Um seridoense, diante dos recursos já liberados, exclamou: “Vigário, a indústria das secas ressuscitou com outra nomenclatura e força”! Técnicos e governantes temem o caos na saúde estatal. Deveriam inquietar-se igualmente com o colapso da razão e do caráter. “Ó insensatos [gálatas], quem vos fez pensar assim?” (Gl 3, 1), questionou o apóstolo Paulo, inspirado na literatura sapiencial do Antigo Testamento: “Até quando, ó estultos, amareis a insensatez e desprezareis a verdade?” (Pv 1, 22).

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