O ALIENÍGENA (PARTE II)

Clauder Arcanjo*

Alegoria com Vênus e Cupido, de Agnolo Bronzino.

Uma semana depois da fuga de Companheiro Acácio e de seu fiel assistente, o jovem Federardo, Licânia ainda se encontrava imersa numa nuvem cinza e indecifrável.
Mas, numa manhã inesperada, um grito pavoroso ecoou pelos becos e vielas, despertando a província daquele estado de marasmo:
— Meu Pai do Céu!
Quem disse isso, se a cidade estava entregue às moscas? Melhor, ao alienígena?
Não se preocupem, crédulos leitores, logo resolverei isso.
Bom, vejamos como farei. Era o Zé Aguiar. Homem que conserta motor de trator batido, convenhamos, não é de correr com a sela.
Resolvida a questão, voltemos à narrativa.
O Zé Aguiar, de peito aberto, rodava o corpo no meio da Praça do Poeta, se achando o valentão de Licânia.
— Cabras frouxos!
Mas, para decepção de muitos, o nosso herói não resistiu ao segundo grito da “fera” desconhecida.
— Auuuuuuu… uhhhhh!
Uma nuvem densa de poeira cobriu as casas.
O que foi isso?!
Na carreira tresloucada do Zé Aguiar, cantando pneu desde a largada, ele gerou um redemoinho que nem saberia descrever. Se não acreditam, nada poderei fazer. História é história, e estamos conversados.
Pois muito bem. Sentada a poeira, tudo mergulhou no mais inquieto silêncio. As folhas das árvores não se mexiam, os pássaros não gorjeavam, as pias Filhas de Maria nem baixinho rezavam.
Mas você não relatou que as beatas também deixaram Licânia no episódio anterior?
Ah, vocês lá querem saber de ler a minha narrativa! Querem é se enrolar em firulas literárias! Entre um capítulo e outro, desconfiados leitores, fiquem sabendo que muita coisa pode acontecer. E se eu lhes disser que elas voltaram antes de eu começar a escrever esta página?!
Estão satisfeitos agora? Posso seguir?
Muito bem, eu ia perdendo o fio da mentira. Ops! Digo, da meada. Pois como relatava há pouco, era tudo um silêncio mais do que profundo.
Horas depois, por detrás de um poste de luz, o vulto de alguém.
Quem é? Cuide logo de se apresentar, seu medroso, estou precisando de alguém para dar prosseguimento ao meu narrar. Não posso fabular sem um personagem sequer.
Percebi que eram dois. Um empurrando o outro. Na verdade, um se escondendo atrás do outro.
Como sou deveras perspicaz, logo descobri de quem se tratavam:
— Companheiro Acácio e o seu assistente de araque!
— De araque, não! Sou frouxo, porém, assim, não. Se querem que eu continue nesta história sem pé nem cabeça, vou logo dizendo, mais respeito comigo! — esbravejou Federardo.
— Pois saiam de trás desse poste e venham ser protagonistas desta his…
— Auuuuuuu… uhhhhh! Auuuuuuu… uhhhhh!…
Corremos os três. Numa velocidade de gente tão corredeira, que nem deu tempo de gerar sombra.

& & &

E o capítulo se encerra por aqui. Por falta de personagens e de narrador.
E o mistério? O mistério continua?
— Auuuuuuu…uhhhhh!… Auuuuuuu…uhhhhh!… Auuuuuuu…
Depois a gente se fala. Fui.

*Clauder Arcanjo é escritor e editor, membro da Academia Norte-rio-grandense de Letras.

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