Novo coronavírus acentua as desigualdades no Brasil

Covid-19 ameaça particularmente a saúde e a renda dos mais pobres, moradores de periferia e que já tinham vínculos frágeis no mercado de trabalho. Especialistas preveem que maior impacto da pandemia ainda está por vir.

Mulher com respirador é tratada por médicosPopulação pobre tem probabilidade maior de ter doenças pré-existentes que tornam infecção pelo coronavírus mais perigosa

O novo coronavírus chegou ao Brasil trazido por pessoas da classe alta, que fizeram viagens internacionais e se contaminaram no exterior. Um dos primeiros casos no país foi o de um homem de 61 anos, morador de São Paulo, que passou duas semanas na Itália em fevereiro. Internado no hospital Albert Einstein, teve o diagnóstico confirmado em 26 de fevereiro e se curou da doença duas semanas depois.

Rapidamente, o vírus desceu na hierarquia social e agora se espalha pelas classes baixas. Em grandes centros urbanos, a covid-19, doença provocada pelo novo coronavírus, já mata mais na periferia do que no centro. Na cidade de São Paulo, entre os bairros onde moravam mais vítimas estão Brasilândia, Sapopemba, São Mateus e Cidade Tiradentes, todos na periferia. O mesmo ocorre em outras capitais. Em Fortaleza, os bairros em situação mais crítica são Barra do Ceará e José Walter, ambos na periferia.

A contaminação é facilitada pela distribuição desigual da renda. Nas periferias, as condições para cumprir o isolamento social são piores: há mais moradores por domicílio, o acesso a água encanada, vital para a higienização, às vezes não existe ou é intermitente, e a insegurança econômica estimula muitos a saírem de casa para obter algum dinheiro.

Quando alguém é infectado e adoece, o sistema público de saúde é a única alternativa, e em algumas cidades ele já está saturado para tratar casos graves. O ponto de partida já é desigual: o número de leitos de UTIs na rede pública, por 10 mil habitantes, é quase cinco vezes inferior ao da rede privada.

A tendência é que a crise provocada pela covid-19 acentue a desigualdade no Brasil, que já é um dos países mais desiguais do mundo, afirma Fernando Burgos, professor da FGV-EAESP e especialista em políticas sociais e desigualdade.

“Quando começou a pandemia, muitas pessoas diziam que a covid-19 iria igualar os desiguais, pois todos iriam ficar doentes, precisar de respiradores, etc. Isso era uma bobagem. A doença afeta desigualmente os desiguais, e será cada vez mais dura com os mais pobres”, diz.

Impacto na saúde

A primeira interação visível entre a pandemia e a desigualdade se dá nas condições para evitar a contaminação. Antônio Augusto Moura da Silva, professor de epidemiologia da Universidade Federal do Maranhão (UFMA), afirma que o alto número de óbitos nas periferias de regiões metropolitanas é uma consequência da condição de vida nesses locais.

“Nas periferias é mais difícil manter o distanciamento social, e a transmissão deve estar ocorrendo a uma maior velocidade”, diz. Segundo ele, a situação nesses bairros irá se agravar nas próximas semanas e, com o sistema de saúde saturado, “pessoas vão começar a morrer em casa”.

Não é só o ritmo de contaminação que prejudica as classes baixas. A população pobre também tem uma probabilidade maior de ter doenças pré-existentes, como diabetes, hipertensão, doença pulmonar e cardíaca ou insuficiência renal, que tornam uma infecção pelo coronavírus mais perigosa. Na província de Hubei, na China, a taxa de hospitalização foi 1,8 vez maior para os contaminados pelo coronavírus que tinham alguma comorbidade, e 2,6 vezes maior para os com duas ou mais comorbidades.

Um estudo publicado em 6 de abril pelas economistas Luiza Nassif Pires, do Bard College, nos Estados Unidos, e Laura Carvalho, da USP, e pela médica e pesquisadora Laura de Lima Xavier, da Universidade Harvard, nos Estados Unidos, com base na Pesquisa Nacional de Saúde do IBGE de 2013, mostra como as classes mais baixas têm, proporcionalmente, mais comorbidades.

Segundo o trabalho, entre os brasileiros que frequentaram apenas o ensino fundamental, 42% têm uma ou mais doenças crônicas associadas aos casos mais graves da covid-19, enquanto na média da população essa taxa é de 33%. “A base da pirâmide tem maior probabilidade de precisar de internação no caso de contaminação pelo coronavírus”, afirmam as autoras.

Maior impacto ainda está por vir

Os dois professores consultados pela DW Brasil estimam que os efeitos da covid-19 na desigualdade brasileira serão percebidos com maior nitidez nas próximas semanas.

Burgos afirma que as redes de solidariedade formadas para doação de alimentos, importantes neste primeiro momento, podem se esgotar e se mostrar insuficientes para manter um padrão de vida mínimo para a população mais pobre.

Com informações Deutsch Welle Brasil

 

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