NOITE ETERNA
Clauder Arcanjo*
(Pintura “O pesadelo”, de Johann Heinrich Füssli.)
Para a escritora Patricia Íris
E os que estão junto do caminho, estes são os que ouvem; depois vem o diabo, e tira-lhes do coração a palavra, para que não se salvem, crendo
(Lucas 8:12.)
No sétimo pesadelo, quis deixar o quarto. Fugir, quem sabe, na tentativa de não voltar a ser incomodado por aquelas visões. No entanto as pernas não se mexeram, como se os membros não mais atendessem aos comandos do cérebro.
Sobre a cama, a suar frio, o corpo inerte. De repente, uma voz no corredor a chamá-lo. Tal qual a que sempre surgia no final dos pesadelos.
Era um timbre feminino; contudo, pouco compreendia do teor da mensagem. Só tinha certeza de que era chamado pelo seu nome.
Um vento gelado perpassou por sobre o leito, o lençol subiu e desceu em cima do abdome suado. Em vez de conforto, aquela friagem mais se lhe aguçou o terror que já lhe invadira a mente. “Preciso sair! Preciso sair daqui!”
Não se lembrava da hora em que se deitara, parecia que a sequência de sonhos durava uma eternidade.
O crucifixo sobre a mesinha de cabeceira. Tentou levar a mão direita até ele, em vão. Todos os movimentos contidos. “Por quê?”
Não havia resposta.
Um barulho próximo à porta. “Alguém forçando abri-la?” Um misto de pânico e horror assomou-lhe à face e, com um esforço descomunal, tentou reunir forças para gritar.
— Sen…
Nem uma palavra completa conseguiu irromper dos lábios trêmulos.
A porta se abriu, percebeu por um aumento na claridade do quarto.
“Quem será?” Os olhos esbugalhados deram pela presença de um vulto junto à entrada do cômodo.
— Senho…
O coração em disparada, o cérebro confuso, o tórax como se atacado por descargas elétricas. Sentiu as pernas dobrarem-se, a procurarem uma posição fetal.
— Senhor…
“O dia não surge!”, exclamou aflito. E, com pouco, tudo mergulhou num silêncio de noite eterna.
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Na manhã seguinte o corpo foi encontrado pela camareira.
O médico-legista ficou impactado com a situação do cadáver: os lábios contritos, uma rigidez incomum, os olhos como se marcados pela visão de algo horroroso, pernas e braços abraçados ao tronco desnudo.
Ao abrir a cavidade torácica, o espanto: o coração sumira.
— Senhor, meu Deus!… Que diabo fez isso?
*Clauder Arcanjo é escritor e editor, membro da Academia Norte-rio-grandense de Letras.