Na marca do pênalti
Futebol de 7 corre o risco de acabar por falta de recursos
Por Lincoln Chaves – Repórter da TV Brasil Rio de Janeiro
O futuro da modalidade foi colocado em xeque após uma reunião do IPC (Comitê Paralímpico Internacional) em 31 de janeiro de 2015. À época presidente do IPC, Sir Philip Craven alegou que o futebol de 7 “não atingia critérios mínimos de alcance global” estabelecidos pelo Comitê: ser praticado regularmente em pelo menos 24 países e três continentes, no caso de esportes coletivos.
Instituída em 16 de julho de 2011, a Lei Agnelo-Piva (número 10.264) prevê atualmente a destinação de 2,7% da arrecadação bruta das loterias federais em operação no país (descontadas as premiações) ao CPB e ao Comitê Olímpico do Brasil (COB). Há quatro anos, a entidade viu subir de 15% para 37,04% a quantidade de recursos recebidos, que são aplicados no programa paralímpico, do qual não faz mais parte o futebol de 7.
No Brasil, a modalidade é gerenciada pela Associação Nacional de Desporto para Deficientes (Ande), voltada ao futebol de 7 para pessoas com paralisia cerebral. A instituição também cuida da bocha – que segue na Paralimpíada e é favorecida pela Lei Piva – e da petra, ou race running, modalidade em que os atletas correm com apoio de um equipamento que lembra uma bicicleta, com três rodas mas sem pedais.
A Ande, porém, vem enfrentando dificuldades para captar recursos para o futebol de 7. Para complicar, na última assembleia do IPC, em setembro do ano passado, foi rejeitada a proposta de retorno do esporte aos Jogos de Paris, na França, em 2024.
“Para 2020, o recurso da Ande (para o futebol de 7) é zero”, resumiu o presidente da entidade Artur Cruz. “Temos corrido o Brasil inteiro (atrás de recursos). O CPB não pode fazer o repasse mas, em questão de estrutura, eles nos disponibilizam, por exemplo, o Centro de Treinamento Paralímpico, em São Paulo. Mas, até para reunir a seleção, a gente não tem dinheiro. A comissão técnica e os atletas vêm de vários lugares do país. Tínhamos esperança de que (o esporte) voltasse em Paris, assim conseguiríamos manter o investimento para desenvolvimento das seleções principal e sub-19, mas não aconteceu”, acrescentou.
Até ano passado, como a modalidade ainda fazia parte dos Jogos Parapan-Americanos de Lima (Peru), houve recursos para viabilizar a participação da seleção em competições internacionais. Além do ouro em Lima, o Brasil alcançou o terceiro lugar no Mundial de futebol de 7 ano passado na Espanha onde, em 2018, também fora campeão do mundo na categoria sub-19. Na temporada de 2019 também foi possível realizar os campeonatos nacionais da 1ª e 2ª divisões.
Para este ano, a seleção de futebol de 7 tem pela frente a Copa das Nações, que reúne o país-sede (Itália) e os sete melhores do último Mundial. A participação, porém, depende de ter dinheiro. Em entrevista ao site “Olimpíada Todo Dia”, o diretor técnico da Ande, Leonardo Baideck, estimou serem necessários cerca de US$ 90 mil (ou R$ 360 mil) para arcar com a taxa de inscrição, que é de 1.250 euros (pouco mais de R$ 5,8 mil) e as despesas com transporte, hospedagem e passagens aéreas para 20 pessoas (14 atletas e seis membros de comissão técnica).
A realização dos campeonatos nacionais para 2020 também é uma incógnita. A entidade tenta viabilizá-los por meio de um projeto de Lei de Incentivo ao Esporte. Cerca de R$ 2 milhões já foram aprovados, o que significa que podem ser captados pela Ande junto a empresas e pessoas físicas que optaram por abater parte do valor devido de imposto de renda (limitado a 1% no caso de empresas, e a 6% para pessoas físicas). Segundo Artur, cerca de 490 atletas estão aptos a competir. Isto sem considerar o grande número de jovens em idade escolar e as equipes que ainda não estão cadastradas na Ande, mas já manifestaram interesse de competir. Levando em conta todos os interessados, a estimativa é de que entre 550 e 600 jogadores possam participar dos torneios.
“O triste é que, infelizmente, se continuar assim, a modalidade pode acabar extinta, com os atletas procurando outros caminhos. E me entristece ainda mais porque fui um dos que começaram com o futebol de PC (paralisia cerebral, como o esporte também é conhecido) por aqui, com o professor Ivaldo Brandão”, lamentou Hélio dos Santos, que até ano passado era coordenador da seleção.
Uma esperança, de acordo com o presidente da Ande, é a manutenção do futebol de 7 no programa do Parapan 2023, que será disputado em Santiago, no Chile. “Houve uma reunião na semana passada, mas ainda não decidiram a permanência. As chances são grandes. Não sei se, mesmo ficando no Parapan, o CPB consegue garantir o repasse. Cheguei a tocar nisso por alto com o presidente (do CPB, Mizael Conrado)e a gente ficou de ver isso, no caso de o futebol seguir”, afirmou.
E vai além
“Muitos patrocinadores ainda não querem atrelar o nome a um esporte de pessoas com deficiência”, constatou Hélio dos Santos, da Ande. “Isso apesar de o futebol de 7 ser vitorioso e trazer visibilidade”, continuou. De fato, com exceções, o paradesporto ainda encontra dificuldades para atrair apoiadores do setor privado. Em especial, as modalidades que hoje não integram o programa dos Jogos Paralímpicos são as que mais sofrem com escassez de recursos e menor visibilidade.
A seleção brasileira de futsal para atletas com síndrome de Down, por exemplo, corre contra o tempo para conseguir disputar o Trisome Games: a “Olimpíada” para atletas com essa deficiência), que acontecerá de 31 de março a 7 de abril, na cidade de Antalya, na Turquia. A equipe é a atual campeã mundial, tendo vencido a Argentina na final da última edição, em Ribeirão Preto (SP), ano passado, com recorde de público. No entanto, como ainda não atraiu apoiadores na busca pelos R$ 256 mil necessários para custear a ida à Turquia, está apelando para uma “vaquinha” virtual para participar da competição.
“Estamos nos preparando (no CT Paralímpico) com fé de que vamos conseguir os recursos, mesmo em cima da hora. Temos nos surpreendido, as pessoas vêm acreditando, ajudando. Espero que até dia 5 de fevereiro, que é o prazo que a federação internacional nos passou, consigamos esse recurso e possamos, pelo menos, levar esses meninos (ao Mundial), para que conheçam outro país, outra cultura, porque eles merecem”, explicou o técnico da seleção Cleiton Monteiro ao repórter Juliano Justo, da TV Brasil.
O futuro das modalidades vai além do fato de o Brasil ter representantes em diferentes competições. Para crianças, jovens e adultos envolvidos o esporte é uma ferramenta importante de integração, aprendizado (com vitórias e derrotas), convivência (com parceiros e rivais) e inspiração. Ao mesmo tempo, tais valores são transmitidos à sociedade e, portanto, podem ser relacionados a quem vincula sua imagem à alguma modalidade. Se uma porta se fechar, não se pode dizer que o atleta se adaptará a outra prática apenas só por esta também ser adaptada a sua deficiência. Há casos? Sim, mas exceções, não a regra.
Garantir a continuidade dessas iniciativas vai além dos resultados, uma vez que o acesso ao esporte é um direito, não necessariamente por objetivos competitivos. A conquista de medalhas e troféus é a consequência.