Muito além do Dia do Folclore…

Gutenberg Costa – Escritor e Folclorista

O Dia Internacional do Folclore comemora-se hoje, 22 de agosto. A palavra “Folk-Lore” foi criada a partir de um artigo do arqueólogo inglês Willian John Thoms, no ano de 1856. É a ciência que reúne tudo que é ligado às tradições, saberes, fazeres e costumes do povo. A denominação: Folk-Lore, quer dizer: Folk (Povo) e Lore (Saber). No mundo, sempre houve estudiosos das antigas tradições e costumes do povo. Coletaram via oral e publicaram suas lendas e histórias pitorescas. No Brasil, tivemos vários nomes ilustres que valorizaram a cultura popular brasileira, como: Câmara Cascudo, Mário de Andrade, Édson Carneiro, Roberto Benjamin, Bráulio do Nascimento e Ático Vilas Boas da Mota, entre outros. Além, de várias aguerridas estudiosas mulheres…

No Rio Grande do Norte, a entidade que divulga e promove os grupos, mestres e brincantes é a Comissão Norte Rio Grandense de Folclore, a qual foi fundada em Natal, em 1947. Aqui temos como maior representação o nome do mestre Luís da Câmara Cascudo, o qual publicou, entre outras importantes obras, as famosas – Dicionário do Folclore Brasileiro História da Alimentação.

Além do mestre Cascudo, outros saudosos nomes potiguares também tiveram destaque no estudo e divulgação do folclore e da cultura popular potiguar, como: Veríssimo de Melo, Gumercindo Saraiva, Raimundo Nonato, Hélio Galvão, Oswaldo de Souza, Manoel Rodrigues de Melo, Oswaldo Lamartine, Vingt-Un Rosado, Getúlio Araújo, Deífilo Gurgel, Raimundo Soares de Brito, Miryan Gurgel Maia, Lauro da Escóssia, Anna Maria Cascudo, Eugênia Montenegro, Celso da Silveira, Bob Motta, Orlando Caboré, Paulo Balá, entre outros defensores e defensoras das nossas tradições, contadores de histórias e causos do nosso sábio povo potiguar.

Falta-nos ainda a publicação de uma antologia e uma bibliografia da cultura popular do RN, para resgatar e agregar os estudiosos que já partiram e os viventes, os quais bravamente ainda resistem nesse legado da cultura popular deixado pelo mestre Câmara Cascudo.

Muita gente curiosa nos indaga como tornar-se um folclorista? É muito complicado responder essa questão. Não existe graduação universitária para tal. Em alguns Estados existem cursos de pós-graduação. A nossa Comissão já desenvolveu três cursos com duração de três meses, em Natal, em parceria com o SESC, Instituto Luduvicus, Comissão Nacional de Folclore e Fundação José Augusto. Foi um sucesso de público entre professores, estudantes e artistas do RN. Paramos, infelizmente, devido às crises financeiras, a falta de apoio cultural e essa pandemia. Sabe-se que no RN não é fácil fazer cultura e, principalmente, captar recursos para eventos folclóricos…

Quanto ao interessado pelo estudo do folclore é preciso gosto e muito interesse para o estudo sério do assunto em questão. Ler manuais de pesquisas folclóricas. Laura Della Mônica e Barianni Ortêncio são autores de dois ótimos trabalhos na área, entre outros. É necessário se dedicar muito a pesquisas e leitura de clássicos sobre Folclore, Antropologia social e cultural. É exigido ir a campo para ver in loco as manifestações populares, como danças e folguedos. Como fazer anotações e comparações de tudo que é visto e ouvido. E, por fim, publicar os resultados e análises dessas andanças no campo ou arquivos de casa, em jornais, revistas e livros. Repassar o que viu e aprendeu com o povo!

Eu, inclusive, fui até o Rio de Janeiro participar de um curso presencial de Folclore, no Museu Édson Carneiro, patrocinado pela Funarte. Ali recebi ótimos ensinamentos de vários antropólogos e folcloristas, como Carlos Rodrigues Brandão e Vicente Sales, entre outros. Tivemos parte teórica e a prática com pesquisa de campo. Anotei os apelidos entre os cariocas da região do Catete e contei a história de um tio segundo, o qual negociou com a morte.

O estudioso da cultura popular não pode viver fechado em gabinetes no ar-condicionado. Longe dos fazeres e saberes dos mestres, mestras e brincantes.  Folclorista não existe sem sentir as alegrias e lamentos do povo em seus casebres e terreiros. Tem que visitar os mercados e feiras. O folclorista é aquele que pesquisa, fotografa, grava, coleta, estuda, interpreta, compara, compra livros, revistas e jornais. É um arquivista atualizado e, ao mesmo tempo, um tradicionalista que respeita o passado. Tem que ser um paciente arquivista também. O mesmo deve participar de encontros, seminários, simpósios e congressos com relação à temática folclorística.

Tem que ser um estudioso atualizado já que o assunto é muito vasto e dinâmico. Deve-se saber que se gasta muito e se ganha pouco, pois não é uma área como outras em que as pessoas seguem recomendadas pelo capitalismo vigente. É, antes de tudo, um campo de amor e paixão. Quem entra, não sai e quem sai é porque nunca o seria em sua verdadeira essência. E o folclore é paixão à primeira vista!

Não conheço folclorista sem uma boa biblioteca e suas bugigangas trazidas de viagens. Minha casa é confundida com museu ou centro religioso. Sou ecumênico, graças a Deus, até para não discriminar o gosto espiritual de ninguém. Entro em qualquer espaço espiritual com o máximo respeito, a convite ou quando o coração manda. Dinheiro, o folclorista não ganha ou junta em banco, mas geralmente morrem velhos e rodeados de boas amizades, lembranças e geniais ensinamentos.

Nós, os folcloristas, preferimos uma vida simples, sem apego ao poder temporário e deslumbrante dos dias globalizantes. Não nos aliamos aos mandatários, poderosos ou a fanatismos religiosos e políticos. Não vendemos “a alma ao diabo”, e sim rezamos na cartilha do filósofo espanhol ‘Calderon de La Barca’: “Ao rei tudo, menos a honra”. 

O folclorista tem que ser, antes de tudo, um ser corajoso, teimoso e independente, caso contrário não sai de casa para suas pesquisas. Dizem que “cobra que não anda, não engole sapo”! Desde que o citado arqueólogo inglês denominou de folclore tudo o que era relacionado à tradição do passado, foi criada a Ciência da Folclorística. Os seus estudiosos são classificados como folcloristas ou folclorólogos!

Agora teríamos que perguntar aos prefeitos e prefeitas, governantes, secretários e secretárias municipais de cultura e políticos, além dos dirigentes de instituições culturais do nosso RN, o que vocês fizeram pelos esquecidos mestres e relegados grupos folclóricos da terra de Câmara Cascudo? Lamentavelmente, o que vejo e ouço em minhas viagens são reclamações e lamentos. Atualmente, muitos mestres velhos e doentes. E os grupos completamente esquecidos sem serem chamados para apresentações nas escolas e praças de suas localidades. Uma total falta de respeito com a cultura genuína e popular do nosso povo!

Senhores e senhoras da cultura do RN, a história futura reservará um lugar de destaque ou lamento aos seus feitos! Cresci com meus pais elogiando o saudoso prefeito de Natal, Djalma Maranhão, o qual ia pessoalmente as casas dos mestres e as apresentações dos grupos nas ruas e praças. Pena que, agora depois de velho, não possa citar outros nomes…

E vivam as tradições brasileiras e o Dia Mundial do Folclore! Vivam Câmara Cascudo e Veríssimo de Melo, o qual esse ano completa seu centenário de nascimento. Os dois encantados e orgulhos do nosso RN e Brasil!

Morada são Saruê, Nísia Floresta/RN, 22 de agosto de 2021.

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