Minhas Memórias do Cinema – por Geraldo Maia

Minhas Memórias do Cinema - por Geraldo Maia - [email protected]

Minhas Memórias do Cinema 

As primeiras lembranças que tenho de cinema em Natal é das tardes de domingo, quando invariavelmente íamos a matinê do Cine Rio Grande assistir filmes. Na curiosidade de toda criança, acho até que a beleza do prédio me chamava mais a atenção do que o próprio filme que estava passando. Somos de uma família pequena, de apenas três irmãos, do qual eu sou o do meio. Havia sempre um adulto para nos acompanhar, mas não lembro do meu pai ou minha mãe fazerem esse papel. Meu pai era um pequeno comerciante, que ganhava a vida em sua mercearia que ficava no bairro do Alecrim e nos finais de semana em uma barraca na feira do Alecrim, que acontecia aos sábados, e na feira das Rocas, que acontecia aos domingos. E minha mãe dividia com ele a árdua tarefa de conseguir o sustento da família. Não tinham, portanto, tempo para diversão.

Mas minha mãe tinha um tio, irmão do seu pai, grande comerciante em Natal, que se chamava Otacílio Olímpio Maia. Era um homem empreendedor e resolveu diversificar as suas atividades, construindo o Cine Rio Grande, um dos mais belos prédios da cidade. E esse meu tio-avô, sempre frequentou a nossa casa e depois da construção do cinema, todos os domingos pela manhã ele ia levar “as entradas” para a matinê do cine Rio Grande. E a tarde, na companhia de um adulto, pegávamos o “Circular”, um ônibus coletivo que passava em frente a nossa casa e que tinha uma parada ao lado do cine Rio Grande, onde assistíamos o filme. Isso aconteceu até a morte desse tio-avô. Com sua morte, todos os bens foram herdados por seu único filho, Moacir Maia, que era engenheiro e empresário em Natal, no ramo da construção civil, que manteve o cinema e até adquiriu outro, no bairro das Rocas, chamado Panorama. Com a morte de tio Otacílio, acabaram-se as cortesias para a matinê.

Aí depois veio a fase da adolescência, onde eu já com 14 ou 15 anos, tinha me apaixonado por filmes de aventura. Era o auge dos filmes de Faroeste, e foi no Cine São Luiz que eu assisti os clássicos desse gênero. O Cine São Luiz ficava no Alecrim, perto da nossa casa, o que facilitava muito o nosso deslocamento que era feito a pé. Normalmente assistia as sessões das 14 e das 16 horas. O filme era o mesmo, mas a emoção era dobrada. O Cine São Luiz era tido como possuidor da melhor tela de cinema de Natal. Posteriormente o seu prédio foi demolido para a construção de uma agência do Banco do Brasil. O fato de assistirmos duas sessões do mesmo filme tinha um propósito. Era próprio da idade a molecagem, e na segunda sessão normalmente tinham aqueles engraçadinhos que ficavam antecipando as cenas seguintes, para irritação dos adultos. Eu confesso que nunca tive coragem de fazer isso, mas me divertia muito com a situação.

Nessa época, já rapazinho, não precisava mais de companhia para ir ao cinema. Saiu de casa cedo, por volta das 13:00 horas, para dar tempo a praticar uma outra paixão que mantenho até os dias atuais, que é a de colecionador de história em quadrinhos, principalmente as de Faroeste. Na calçada do cinema havia uma área reservada para os vendedores de revista. Passávamos um tempão procurando, naquela verdadeira esteira que se formava com as revistas expostas, aquelas que desejávamos. Confesso que muitas das revistas adquiridas naquela época ainda mantenho em minha biblioteca como obras raras. Tarzan, Batman, Homem de Ferro, Thor, Superman, a coleção completa de O Gibi Mensal, Zorro, Tex, Durango Kid, Aí, Mocinha!, Cheyenne, Buck Jones, etc. O melhor era que em cada capa de trás das revistas de aventura, principalmente as de Faroeste e as de Tarzan, trazia um pôster de artistas daquele gênero, e em que filmes tinham atuados.

Cinema e história em quadrinhos era uma combinação perfeita.  Haviam também os livros de bolso. Eram pequenos livros, que como o próprio nome sugere, cabiam no bolso de trás de nossas calças. E haviam de todos os gêneros: Faroeste, guerra, espionagem, policial, mas os mais procurados eram mesmo os de história de faroeste. A maior parte escritas por brasileiros, que para dar maior importância as suas obras, usavam nomes estrangeiros.  Passávamos a semana esperando por aqueles momentos. E na saída do cinema íamos “lanchar”. Para isso existiam os carrinhos de cachorro quente também nas calçadas. Mas não era esse “hot dog” que é vendido nos restaurantes, não. Eram rodelas de pão francês, com carne moída. Dependendo do dinheiro disponível, o que nunca sobrava muito por conta do ingresso do cinema e das histórias em quadrinhos, podíamos pedir um terço do pão, meio pão ou o pão inteiro, sempre acompanhado de refresco. O dinheiro era pouco, mas a satisfação era muita.

Eu já rapaz, maior de idade, já com namorada, mas ainda estudante, dependendo da mesada do meu pai, suficiente apenas para as entradas, minha e da namorada, na categoria estudante, passagem do coletivo e algum pequeno lanche na saída. Meu irmão, que é 3 anos mais novo do que eu, querendo assistir filmes impróprios para menores de 18 anos, sempre dava um jeitinho de pegar minha carteira de estudante escondido e muitas das vezes eu só percebia a sua manobra quando já estava no cinema com os ingressos de meia entrada na mão, e o porteiro solicitando a carteira de estudante. Claro que era barrado e não tinha mais dinheiro para comprar a entrada inteira. Restava apenas a decepção e a vergonha da namorada. As vezes conseguíamos vender os ingressos um pouco mais barato do que na bilheteria, o que amenizava o prejuízo, as vezes não. Apesar das broncas que minha mãe dava no meu irmão, vez por outra a manobra se repetia.

Tio Otacílio, o meu tio-avô proprietário do cinema Rio Grande, contava que durante a construção do prédio, faltava mão-de-obra em Natal, principalmente de servente de pedreiro. A solução foi chamar alguns parentes de Catolé do Rocha, na Paraíba, sua terra natal, para trabalhar na obra. Muitos atenderam ao chamado e ficaram até o final da obra. Quando do cinema pronto, tio Otacílio resolveu fazer uma sessão inaugural, apenas para as pessoas que tinham trabalhado naquela obra, sendo que a maior parte nunca tinha assistido um filme. E assim, numa certa tarde, com todos os funcionários ocupando as primeiras cadeiras do cinema, começou a exibição de um filme de Faroeste. E qual não foi a surpresa quando ainda na abertura do filme, um pistoleiro sacou a arma, apontou para a frente e disparou. Foi um corre-corre no cinema de fazer dó, e só com muita conversa conseguiram fazer com que aquelas pessoas voltassem aos seus lugares para assistirem a película.

Esses são fragmentos das minhas memórias do cinema, essa divina arte que nos faz rir, chorar e amar. Como disse o dramaturgo e cineasta suíço Ingmar Bergman, “filme é um sonho como a música. Nenhuma arte passa a nossa consciência da maneira que o filme faz. Ele vai diretamente para os nossos sentimentos e toca o fundo de nossa alma. “

pesquisador e historiador  – Geraldo Maia do Nascimento – [email protected]

Deixe um comentário