Menos renda, mais violência: mulheres estão entre os mais afetados pela pandemia

As mulheres podem ser consideradas o grupo social mais afetado pela pandemia do novo coronavírus, quando o assunto é impacto econômico. Dentro desse grupo, é ainda maior o risco de vulnerabilidade de mulheres indígenas, negras e imigrantes. A análise é de Maria Fernanda Marcelino, que integra a Sempreviva Organização Feminista (SOF) e é apoiadora da Associação de Mulheres da Economia Solidária.

E por que isso? “Porque as mulheres são majoritariamente o grupo social que está em empregos mais precários e informais, ou aquelas que sobrevivem com até um salário mínimo, de aposentadoria, de trabalhos domésticos ou prestadoras de serviço”, explica Marcelino.

Outro agravante: em geral, são as mulheres as chefes de famílias, isto é, as responsáveis pelo sustento de filhos e outros familiares, o que torna a sobrecarga da mulher mais “intensa” durante a quarentena. “Além de pensar na garantia de ter o que comer, ainda enfrentam a batalha de fazer a casa funcionar. Isso é uma tensão, um estresse”, conclui a integrante da SOF.

Atualmente, Marcelino vem acompanhando a situação de mulheres artesãs, costureiras, dentre outras profissões, que antes da quarentena vendiam produtos em lugares como a Avenida Paulista, na região central do município de São Paulo, e conta que o “desespero delas é absurdo”, uma vez que não têm mais como continuar com as vendas.

É o caso de Elaine Aparecida de Souza, de 46 anos, moradora da zona leste de São Paulo. Ela, que é autônoma e trabalha servindo alimentação em reuniões corporativas, afirma que está “literalmente assustada”. “Eu estava começando a fazer um planejamento financeiro e até o final de abril eu consigo me sustentar, vai dar para suprir as necessidades básicas”, afirma.

Para tentar garantir o sustento do mês seguinte, ela começou a oferecer pães e bolos caseiros na internet. Ainda que não seja “nada garantido”, ela já fez duas entregas. De sua renda, dependem sua mãe e duas irmãs.

Patrícia Prete, de 35 anos, moradora da região de São Bernardo do Campo, também se encontra na mesma situação. Antes da quarentena, ela que é costureira, trabalhava vendendo seus produtos em feiras livres. Hoje, para conseguir manter os seus compromissos econômicos, produz máscaras: “Vai apertar, vamos ter que diminuir bastante coisa na casa.”

Segundo Maria Fernanda Marcelino essa “é uma situação na beira do abismo”. “Se o governo não fizer algo imediatamente, nós vamos ter a pandemia ainda mais agravada por essa situação. É uma hecatombe o que se avizinha pra gente”. O presidente Jair Bolsonaro (sem partido) publicou no Diário Oficial da União de sexta-feira (3) a sanção do auxílio emergencial de até R$ 1.200,00 que beneficiará mulheres chefes de famílias.

Violência contra as mulheres dentro de casa

Com a chegada da quarentena provocada pela pandemia, as mulheres também viram se esvair, em pouco tempo, a ideia de ter o lar como um ambiente de descanso, acolhimento e afeto. Essa pode ser uma das explicações para o aumento de violência doméstica desde que se iniciou o isolamento social. No Rio de Janeiro, por exemplo, houve um aumento de 50% nas denúncias de casos de violência doméstica.

Marcelino afirma que, em São Paulo, as mulheres que frequentam centros de atendimento e casas de apoio “estão desaparecidas, por conta do isolamento, mas também porque se acirra o cárcere, a privação de liberdade, de poder usar celular, de fazer qualquer movimento que coloque para fora a situação que ela está vivendo”.

De acordo com o Anuário Brasileiro de Segurança Pública, em 2019 foram registrados 263.067 casos de lesão corporal dolosa e um caso de violência doméstica a cada dois minutos.

Em março de 2020, a Organização das Nações Unidas (ONU) lançou um documento elencando as possíveis consequências, no âmbito da violência doméstica, da pandemia de covid-19.

“[Os riscos] são maiores devido ao aumento das tensões em casa, e também podem aumentar o isolamento das mulheres. As sobreviventes da violência podem enfrentar obstáculos adicionais para fugir de situações violentas ou acessar ordens de proteção que salvam vidas e/ou serviços essenciais devido a fatores como restrições ao movimento em quarentena”, afirma a organização em um trecho do documento.

“Correndo dados na Internet, vemos que o número de roubos quase que zerou, assim como de assalto, mas o número de denúncias que classificam como brigas de casais, que a gente sabe que não é briga, é violência sexista, explodiu, por conta dessa situação”, afirma Maria Fernanda Marcelino.

Na Itália, onde o confinamento tem sido intenso, um documento elaborado pela Direção Central da Polícia Criminal do Departamento de Segurança Pública da Itália mostrou uma queda nos roubos de topos os tipos de 67,4%.

“Quando você tem um ambiente de violência, o que vai existir é um adoecimento ou agravamento de situações de sofrimento mental, depressão, angústia, pânico e de outras situações, porque onde era para você ter segurança é o lugar que você está mais vulnerável.”

Onde e como procurar ajuda

Em São Paulo, algumas casas de acolhimento conveniadas ao poder público estão funcionando, mas dando atendimento por telefone devido à pandemia, como a Casa Viviane dos Santos, que fica em Guaianazes e a Casa Cidinha Kopcak, em São Mateus, ambas na zona leste da capital. A Casa Eliane de Granmont também está funcionando nessa modalidade de atendimento e fica no bairro Santa Cruz, zona sul da cidade.

Em casos de violência doméstica, a Polícia Militar pode ser solicitada por meio do telefone 190 ou pelo 180. Conforme a Prefeitura de São Paulo, os serviços de atendimento às mulheres vítimas de violência, em especial as Delegacias de Defesa da Mulher, continuam em funcionamento 24h.

O Hospital Pérola Byington, referência no atendimento à mulher em casos de abortos legais, retomou os atendimentos depois de ter fechado as portas devido à pandemia de covid-19. O serviço voltou a funcionar graças a pedidos do Ministério Público e da Defensoria Pública do Estado de São Paulo.

 

 

Brasil De Fato

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