Thadeu Brandão – Menores infratores e criminalidade: penalizações

Sei que os novos eufemismos jurídicos e assistencialistas já transmutaram o termo “menor infrator”. Novos eufemismos, porém, pouco alteram a realidade. No máximo, ajudam a consolidar o preconceito e a desigualdade social. Por isso, quando retoma-se a discussão da malfamada “diminuição da maioridade penal” no Brasil, isso a cada nova notícia de homicídios cometidos por menores, a discussão volta à baila.

Longe de pensar no inconstitucionalismo da questão, o que é público e notório, gostaria de debruçar-me aqui, rapidamente, acerca das questões sociais que engendram a punição social e suas estruturas. Afinal, o sujeito que pune é a sociedade por meio do Estado. O objeto punitivo é, também, a maior vítima (em termos de perfil) de ações violentas e homicidas do nosso Brasil.

Jovens de 14 a 17 anos representam quase um terço das vítimas de homicídios no Brasil. Meninos, pobres, pardos ou negros. Taxas já apontadas outras vezes por mim aqui e em toda a literatura da área, a começar pelo sério Mapa da Violência. Nada de novo no front. A questão, mais nebulosa, é saber o quanto deste perfil são também perpetradores de homicídios. Dados, incompletos e inconcisos, mostram que uma pequena minoria faz parte deste quadro. Mas, uma vez que o fazem, praticam-no de forma cruel e violenta. Não levam em consideração sanções ou punições.

O sistema penal brasileiro é draconiano para com pobres e jovens. Ampla maioria dos apenados (96%) são homens, jovens (85%), pobres e com pouca instrução (80%) e pardos/negros (75%). Sua ampla maioria (dados mostram média de 70%) vieram de lares “desfeitos” e com pouca ou nenhuma presença paterna. Filhos de mães solteiras ou abandonadas que carregaram e carregam, solitariamente, o ônus da criação da prole. Meninos jogados cedo na marginalidade e no vício e tráfico de drogas. Futuro destruído a caminho de mais destruição.

Longe de defender discurso fácil da “infância perdida”, ainda assim, é salutar lembrar que nosso sistema educacional é uma piada de mal-gosto. Não estruturamos um futuro. Queremos, ainda assim, defender uma superestrutura penal para nos “defender” deste mal que criamos: uma juventude de status negativo, socializada na violência e na criminalidade. Um menino de rua que conversei há dois anos me disse: “Tio, eu só queria comer todo dia. Me vestir legal. Ir com uma mina a um shopping igual aos ‘playboys’, tá ligado?” (sic). Ou seja, aquele menino sujinho, com estima baixa, com muita raiva acumulada na alma, só queria ter uma vidinha de classe média, um “brasilian way of life” tão regozijado em eras de “welfare state petista”. Sonho distante…

O sistema penal brasileiro é ineficiente desde sua medula. Estudei-o por quase 5 anos. O resultado desse estudo (em minha tese de doutorado) foi que aprendi, foucaultianamente falando, que prisão apenas pune. Não vigia e nem ressocializa. Ao contrário, estrutra-se como reprodutora de delinquência.

Não pense o leitor que esses jovens infratores não passaram por prisões: FEBEM, CEDUC, ou qualquer sigla que o caracterize, são espaços prisionais em todas as suas carcterísticas, inclusive a de reproduzir a delinquência. Não funcionaram, não funcionam e não funcionarão.

Precisamos discutir o assunto. Com calma, sabedoria e muita reflexão científica. Sem discursos demagócicos ou religiosos. Pensando no futuro: nossos jovens. A infância e a juventude no Brasil estão relegadas ao abandono há muito tempo. Resgatá-las irá demandar tempo e múltiplos esforços.

Chegou a hora de começar.