Mendonça contraria Bolsonaro e libera reportagens

Ministro do STF avalia que censura imposta a reportagens sobre compra de apartamentos em dinheiro vivo pela família do presidente não tem amparo legal e cerceia liberdade de expressão. Decisão final caberá ao Supremo.

O ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) André Mendonça derrubou a decisão de um desembargador que censurou reportagens do portal UOL sobre a compra de 51 imóveis em dinheiro vivo pela família do presidente Jair Bolsonaro (PL).

Horas antes, o UOL havia acionado o STF contra a decisão do desembargador Demétrius Gomes Cavalcanti, do Tribunal de Justiça do Distrito Federal (TJ-DFT), que determinava um bloqueio à publicação das reportagens dos colunistas Juliana Dal Piva e Thiago Herdy, assim como a exclusão do texto das redes sociais.

Ao proibir a publicação das reportagens, o desembargador acatou um pedido do senador Flávio Bolsonaro, um dos nomes envolvidos na suposta compra dos imóveis em dinheiro vivo, juntamente com o presidente da República e outros membros de sua família.

Cavalcanti justificou sua decisão ao afirmar que as reportagens se basearam em uma investigação anulada pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ).

Mendonca, no entanto, determinou a liberação dos textos. O magistrado, indicado ao STF pelo próprio Bolsonaro, disse que o bloqueio afeta a liberdade de expressão e não tem amparo constitucional.

Decisão final no STF

“No Estado Democrático de Direito, deve ser assegurado aos brasileiros de todos os espectros político-ideológicos o amplo exercício da liberdade de expressão. Assim, o cerceamento a esse livre exercício, sob a modalidade de censura […] não encontra guarida na Carta Republicana de 1988”, escreveu Mendonça em sua decisão.

“No referido julgamento, reiterou-se a plena liberdade de imprensa como categoria jurídica proibitiva de qualquer tipo de censura, bem assim, a imposição, ao Poder Judiciário, do dever de dotar de efetividade os direitos fundamentais de imprensa e de informação.”

Mendonça avalia que a Justiça assegura outros meios de discutir direitos individuais, sem a necessidade de supressão da liberdade de expressão e de imprensa.

O magistrado lembrou que o STF tem reiterado decisões que asseguram a plena liberdade de imprensa, e ressaltou que não há espaço para a censura no país. A decisão final caberá aos demais ministros do Supremo

Alguns dos imóveis comprados pelos Bolsonaro e mencionados reportagens do UOL também eram citados na investigação que das supostas “rachadinhas” no antigo gabinete de Flávio Bolsonaro na Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro.

O filho mais velho do presidente conseguiu a anulação de todas as decisões de primeira instância ao entrar com recurso no STF, em novembro de 2021

Conteúdo das reportagens

Os textos publicados pelo UOL entre agosto e setembro afirmam que o presidente Bolsonaro adquiriu quase metade de seu patrimônio em imóveis nos últimos 30 anos com o uso de dinheiro vivo.

Entre 1990 e 2022, membros do clã Bolsonaro usaram repetidamente grandes somas em dinheiro para a compra de apartamentos, casas e terrenos em cidades como Rio de Janeiro, Brasília e São Paulo.

A reportagem afirma que Bolsonaro e seus parentes mais próximos compraram 107 imóveis ao longo de três décadas, sendo que ao menos 51 deles foram adquiridos total ou parcialmente com dinheiro em espécie.

Repórteres do UOL analisaram 1.105 páginas de 270 documentos requeridos junto a cartórios de imóveis e registros de escrituras em 16 municípios, sendo 14 deles no estado de São Paulo, e visitaram estiveram em 12 cidades.

A reportagem examinou o patrimônio do presidente, de seus três filhos mais velhos, sua mãe, cinco irmãos e duas ex-mulheres. Uma das propriedades, uma mansão na zona rural de São Paulo, teria sido adquirida por 2,67 milhões de reais pelo cunhado de Bolsonaro.

“Terrivelmente evangélico”

Mendonça tem 48 anos anos e, mantida a atual regra de aposentadoria compulsória da Corte, poderá permanecer no cargo por 27 anos, até completar 75 anos de idade. Ele é o primeiro ministro do Supremo a se identificar como evangélico. Esse foi, inclusive, um dos fatores que levaram Bolsonaro a indicá-lo ao cargo.

Ele é o segundo ministro indicado ao Supremo por Bolsonaro. O primeiro foi Kassio Nunes Marques, empossado no final de 2020.

No início do governo Bolsonaro, Mendonça foi nomeado advogado-geral da União. Em abril de 2020, assumiu o Ministério da Justiça após a saída do ex-juiz Sergio Moro, e em março de 2021 voltou ao comando da Advocacia-Geral da União, que exerceu até agosto.

Pastor licenciado da Igreja Presbiteriana Esperança de Brasília, ele é o nome “terrivelmente evangélico” que o presidente havia prometido indicar à Corte.

A indicação de Mendonça foi aprovada pelo Senado em 2 de dezembro, por 47 votos a favor – seis a mais do que o necessário – e 32 contra. Foi o placar mais apertado de todos os atuais ministros da Corte.

Enquanto estava no governo, Mendonça foi um dos ministros mais alinhados à plataforma de extrema direita de Bolsonaro e tomou diversas decisões para agradá-lo.

Ele assumiu o Ministério da Justiça em abril de 2020 após Moro deixar o cargo acusando Bolsonaro de tentar controlar a Polícia Federal (PF) para proteger familiares e aliados de investigações. No cargo, Mendonça não se opôs a indicações do presidente para comandar a PF.

Após ser confirmado no cargo, Mendonça disse que sua aprovação era “um passo para um homem e um salto para os evangélicos”.

rc (ots)

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