Macron aposentado aos 45 anos? Imprensa decreta crise da democracia na França

"A República (está) atolada: como Macron pode governar agora?", questiona a revista francesa L'Obs desta semana, valendo-se para isso de um trocadilho entre as palavras atolada (enlisée) e Eliseu (Élysée), o palácio presidencial francês, e com o nome de seu antigo partido, A República em Marcha. Le Point vai na mesma linha: "Encurralado pelo 49.3 e pelo resultado da moção de censura interpartidária, o chefe de Estado encontra-se, menos de um ano após a sua reeleição, atolado".

Semana na Imprensa

A revista, que considera que Macron passou “do isolamento à impotência”, conta os bastidores da decisão do presidente de usar o 49.3 (artigo da Constituição que permite a aprovação de uma lei por decreto), considerada antidemocrática e rejeitada pela maioria dos franceses. Com uma manchete em que sugere a aposentadoria do presidente, a revista claramente questiona a legitimidade do líder.

“Um epílogo desastroso para uma reforma mal apresentada desde o início”, decreta Le Point, sobre o impasse que o governo Macron vive hoje e que levou até ao cancelamento da visita do rei Charles III à França. Esta, que seria a primeira viagem ao exterior do rei, foi adiada às pressas por coincidir com mais um dia de protestos em todo o país, marcado para a terça-feira (28).

As revistas da semana consideram que, mais do que uma crise política, a França vive uma crise democrática e chegam a questionar a sobrevivência do regime vigente, a Quinta República, fundada em 1958 e da qual Macron é o oitavo presidente.

A Quinta República tem como principal característica uma ruptura com a tradição parlamentar da França e o fortalecimento do papel do Poder Executivo.

Como as Constituições morrem

“É assim que as Constituições morrem? A de 1958, aprovada em sua época por 82% dos franceses, sofre cada vez mais, nestes tempos irracionais em que o que é legal não é mais legítimo. Além disso, quem ainda a lê?”, pergunta a revista L’Express.

Em seu primeiro parágrafo, o artigo 3º da Constituição francesa estipula: “A soberania nacional pertence ao povo que a exerce por meio de seus representantes e por meio de referendo”. O povo e os parlamentares, em igualdade de condições, sublinha L’Express, para quem “a democracia representativa pode ter morrido em uma tarde de quinta-feira em março de 2023”.

Segundo a L’ObsMacron, ao recorrer a uma forma antidemocrática para fazer o povo francês “engolir” o seu projeto, perde em legitimidade e fratura o país.

Diante da rejeição dos franceses e dos pedidos (negados) para que ele dialogasse com os sindicatos – todos unidos contra a reforma –, o presidente foi além e deu a “canetada”, ou seja, aprovou sua reforma sem o voto dos deputados franceses, “mesmo que isso signifique brutalizar um pouco mais o país, atropelar o processo parlamentar de todas as formas, alienar todos os sindicatos, dividir a sociedade e até a sua própria maioria parlamentar”.

Alto custo político

“Aqui está ele, então, tendo alcançado seus objetivos. Mas a que custo?”, pergunta L’Obs.

“E com que consequências em seu segundo mandato, mal iniciado e já paralisado? Quantos cartuchos ele queimou durante esta sequência em que nada aconteceu como esperado? Júpiter se tornou Pirro?”, continua a revista, referindo-se à versão romana do deus que governa a Terra e os céus – apelido de Macron dado pela imprensa francesa desde a sua primeira eleição, em 2017 –, e ao rei de parte da Grécia e da Macedônia, que, na Antiguidade, ganhou uma batalha importante, mas a um custo altíssimo para o seu reinado.

A Pirro é atribuída a frase: “Mais uma vitória como esta, e estou perdido”.

Quase 70% dos franceses são contra a reforma imposta por Macron e 82% acham que ele deveria receber os sindicatos.

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